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domingo, 2 de setembro de 2012

CARMELO GRISI ELE MESMO–Francisco Cândido Xavier

Índice do Blog

 

www.autoresespiritasclassicos.com

 

 

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CARMELO GRISI ELE MESMO

 

 

FRANCISCO CANDIDO XAVIER

GERSON SESTINI

CARMELO GRISI

 

EDITORA

GEEM

 

 

Na hora da tempestade as aves experientes

não mudam de ninho.

Carmelo Grisi

 

 

 

 

Sumário

Prefácio

Minhas palavras 

Introdução / 07    

1. Retornando a lucidez / 11

2. Notícias mais diretas / 14

3. Rejuvenescimento / 18    

4. Europa e América / 22             

5. As religiões no além / 24 

6. Falando francamente / 26        

7. De coração aberto / 29           

8. Lição de desapego / 35    

9. O retorno do Doutor Radovir / 38  

10. Desabafos e promessas / 43  

11. As dificuldades continuam / 47            

12. Novas notícias intercaladas / 50           

13. Amigos de sempre / 53  

14. Os supostos mortos / 58

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prefácio

 

Carmelo Grisi, ele mesmo

 

-   Pai, era um exemplo de trabalho e retidão para a família, que lhe foi motivo para respeito e entendimento.

Com semelhante comportamento, deixou na Terra filhos admiráveis pela nobreza de caráter, que lhe honram a memória.

- Cidadão, foi um padrão de paz e serviço ao próximo. Exerceu atividades diversas, distinguindo-se na execução dos compromissos que assumia e pelo máximo esforço que efetuava para fazer o melhor.

-   Enviuvando muito cedo, consagrou-se inteiramente aos familiares que lhe retribuíam o afeto. Em companhia dos filhos e de alguns amigos, fundou o Lar da Irmã Elvira, na cidade de Votuporanga, Estado de São Paulo, pois, era o nome da companheira que havia partilhado com ele as dificuldades e alegrias da vida, sempre interessado na obra do bem que lhe falava dela ao coração.

O Lar da Irmã Elvira se transformou em abrigo para todos os necessitados, especialmente para as crianças carecedoras de amparo.

-   Era alegre sem imprudências, edificando esperança e otimismo em todos aqueles que se lhe faziam ouvintes.

-   Era particularmente o homem das boas obras, sempre pronto a servir.

-   Amigo, foi um servidor leal e devotado, agindo, onde estivesse, em favor dos outros.

-   Com estas características, Carmelo Grisi era sincero e espontâneo, aquecendo qualquer conversação e qualquer diálogo com os companheiros, no seu calor e no seu imperturbável ânimo.

- Era forte na fé em Deus e correto na apreciação dos homens de bem.

- Foi humilde sem subserviência; corajoso na travessia das provações do mundo; digno sem orgulho ou vaidade, em nos referindo ao bem que espalhava incessantemente.

Compreensivelmente não era um ativista da morte mas dedicado cultor da vida, como se depreende das comunicações que nos tem trazido até agora, através da mediunidade, confortando e levantando almas que as tribulações da existência venham a ferir.

-o-

Eis alguns dos traços do amigo que nos propomos apresentar com o respeito e o carinho que ele sempre fez por merecer. Lembrando-lhe o trabalho constante e a bondade sem lides, pedimos a Jesus o engrandeça na Vida Maior e o abençoe sempre.

Emmanuel

Uberaba, 10 de Janeiro de 1991

 

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NA FOTO CARMELO GRISI, CHICO XAVIER, ROLANDO RAMACCIOTTI.

 

 

Minhas palavras

 

Meus pais converteram-se ao Espiritismo por volta de 1918. Minha mãe, ainda muito jovem, dotada da faculdade mediúnica de desobsessão, aceitou, ao lado de meu pai, os encargos e compromissos de tão nobre quão difícil tarefa. E, amparados pela Doutrina e sob a proteção do benfeitor Romeu de Ângelis, prosseguiram trabalhando até a desencarnação de minha progenitora, ocorrido em 1954.

Na fase que se seguiu ao desenlace, com as significativas mudanças na vida da família, contamos com o apoio de Francisco Cândido Xavier, através de mensagem de minha mãe, recebida por ele, e que foi o motivo da amizade que se estabeleceu entre meu pai e o nosso querido Chico. Pessoalmente, eu e minha esposa já conhecíamos o famoso médium desde 1948.

Os vinte e seis anos de viuvez do meu progenitor foram atenuados pela Consoladora Doutrina e pela influência exercida pelo bondoso médium, dando-lhe ânimo forte e confiança no futuro. Sem perder o jeito extrovertido e o bom humor que sempre o caracterizavam, cuidou de meu irmão caçula, Carmelinho, que contava apenas 11 anos de idade ao se ver privado da presença materna. Foi esta, então, a grande preocupação de sua vida, até que ele se formasse em Agronomia e se casasse.

Amando profundamente os filhos, notávamos, eu e meus manos Valdinho e Rubens, que suas atitudes e sentimentos se renovavam na ânsia de suprir a ausência de nossa mãe. Carmelinho fora um filho temporão e não contava com familiares na sua faixa de idade, embora nossas cunhadas Aracy e Cicina os alegrassem constantemente com suas presenças.

Anos mais tarde, meu pai travou conhecimento com a professora Aparecida Batista Ferreira que buscava fixar residência em Rio Preto, em função de sua carreira no magistério. Hospedou-se ela em nossa casa por algum tempo, e esse tempo se dilatou até que se estabelecesse um vínculo de amizade profunda entre ambos, como o de um pai para uma filha muito querida.

A autorização para que esta obra fosse escrita veio seguida do pedido de meu pai para que eu o apresentasse como realmente era, e, na sua franqueza jocosa, insistiu para que não o perfumasse porque todos sairíamos perdendo (*).

(*) "Romeu, os nossos amigos consideram que não há inconveniente em que se publique o que temos escrito, mas se isso acontecer, você faça um prefácio, dizendo que fui um carroceiro e carregador de pedras."

Carmelo (25.07.87)

Evidencia-se aí o problema da autenticidade que o preocupava em virtude da natural tendência do ser humano em santificar os supostos mortos. Outro risco, a meu ver, estava no relacionamento afetivo entre pai e filho, o que poderia dar margem a exageros e elogios piegas para um assunto tão sério quanto este.

Finalmente, vencidos os anos de expectativa pacientemente aguardados para que as páginas familiares, e não literárias, viessem a lume, proporcionamos aos leitores esta obra franca e instrutiva, entremeada de lances de humor crítico, compilada e comentada pelo meu cunhado Gerson Sestini.

Esperamos que do esforço conjugado daqueles que cooperaram nesta obra resultem benefícios de paz, consolo e esperança em favor de todos os que jornadeiam na Terra em busca de uma Vida Superior, à luz da Doutrina Espírita.

Votuporanga, janeiro de 1991

Romeu Grisi

 

 

 

 

Introdução

 

Na obra "Viajores da Luz" (Ed. GEEM), o seu co-autor, Dr. Caio Ramacciotti, comenta o texto de Carmelo Grisi como "um diálogo fácil, sem barreiras, naturalmente facilitado pela firme transmissão mediúnica de Chico Xavier". Era a primeira mensagem, dada em 18/10/80. Depois desta, ao longo de oito anos consecutivos, foram transmitidas outras dezesseis, tendo sido a 17.ª obtida em 26/11/88.

Diante do conteúdo destas cartas, endereçadas aos corações queridos que permanecem na matéria densa, entre notícias suas ou de amigos e familiares que partiram para o Além, surge um precioso filão de anotações oportunas para a divulgação.

Algumas delas falam da adaptação à Vida Espiritual, ainda um tanto problemática para este espírito. Há humor, referências jocosas e até uma dose de ironia. Não obstante, entremeando uma e outra citação, encontramos valiosos conselhos, mormente para aqueles que enfrentam dificuldades neste mundo, pensando numa próxima libertação para gozar uma suposta boa vida no Além.

O objetivo desta obra não se prende, pois, à comprovação de dados, nomes ou citações que identifiquem o espírito comunicante ou aqueles citados. No livro acima referido, temos o trabalho comprobatório feito pelo Dr. Caio, pois a mediunidade de Chico Xavier nesses últimos anos de seu mandato mediúnico continua o mesmo fiel instrumento, através do qual tantos espíritos têm dado mensagens ou produzido obras sob a direção de Emmanuel, pois como o próprio médium sempre afirmou, é ele quem controla o canal entre os dois mundos, qual operador de satélites utilizados na comunicação entre os continentes.

***

Carmelo Grisi foi um cidadão simples, de poucas letras, porém muito ativo e observador. Dotado de potencial energético maior do que a média das pessoas, ele o direcionava para o trabalho e as boas obras, na prestação de toda sorte de serviços ao próximo, pois, se era naturalmente assim, a convicção espírita reforçava essa tendência.

Utilizando-nos de uma expressão da juventude atual, poderíamos dizer que "agitava" os locais por onde adentrava com seus ruídos, gestos e interjeições, provocando uma contagiante onda de alegria.

Natural da bela província de Trecchina, próxima ao Golfo de Policastro, no sul da Itália, abandonou seu torrão natal com seus irmãos, ainda adolescente, para aportar no Brasil. Naquela época o destino da maioria dos emigrantes era São Paulo, a Capital com suas indústrias florescentes ou seu interior de cujas terras férteis brotavam cidades por toda parte.

Optou por uma bem distante, São José do Rio Preto, dois anos antes que a linha férrea lá chegasse, e teve que caminhar a pé algumas léguas para atingi-Ia. Fixou residência ai e casou-se. Sua esposa Elvira era dotada de grande potencial mediúnico direcionado à cura de obsidiados, tendo sido uma das pioneiras do Espiritismo naquela região. Nasceram-lhes quatro filhos, todos homens.

No decorrer da existência, além de Rio Preto, outras cidades também tiveram importância para Carmelo. Entre elas, Votuporanga, que se desenvolveu a partir da década de 40, sendo alvo de muitos de seus trabalhos. Lutou para que as linhas telefônicas chegassem até lá, onde seu filho Romeu se estabelecera, pois comunicador que era, não se conformava em ficar longe de telefones. Auxiliou também a erguer o Centro Espírita Emmanuel e o Lar Irmã Mariana, expressivas obras do movimento espírita naquela cidade.

No seu primeiro contato, com Chico, pelo telefone, em 1954, chorou. Em seguida veio o conhecimento pessoal na Fazenda Modelo, em Pedro Leopoldo, seguido de mensagem da querida companheira que havia partido cinco meses antes (*).

(*) Esta mensagem encontra-se no livro "Entre Duas Vidas" - Ed. CEC

Daquele encontro surgiu a amizade entre os dois. Carmelo admirava o Chico e Chico alegrava-se com sua presença, pois, muitas vezes, era surpreendido pelo comportamento de menino travesso no amigo, ao sentir o bom humor em fisionomias sofridas nas intermináveis filas de atendimento que ele rompia sem a menor cerimônia.

Chico abria-lhe os braços sorridente e o acolhia com bondade, retendo-o ao seu lado.

Nas sessões que se estendiam noite a dentro ou nas peregrinações, era sempre a nota alegre e comunicativa, facilitando o trabalho das equipes espirituais para manter o ambiente equilibrado em meio a tantas pessoas tensas ou emocionadas, na espera de serem atendidas pelo Chico.

Com a idade avançada, as idas a Uberaba começaram a escassear. Depois vieram as complicações da saúde, a memória começou a falhar e as viagens cessaram. Sob os cuidados de Cida, sua governanta que com o tempo se tornou enfermeira e filha do coração, tanta dedicação e amor tinha por ele, veio a desencarnar em 28/03/80, causando essa separação um vácuo entre as duas almas.

Eis que em outubro do mesmo ano, Carmelo retorna ao Grupo Espírita da Prece, liberto da matéria densa que o limitara nos últimos tempos. Deu a sua primeira mensagem ajudado pela esposa Elvira. Depois vieram outras e Carmelo começou a se soltar provocando risos e transmitindo bom humor às platéias, à medida que suas mensagens eram lidas pelo Chico, que não escondia o sorriso, o mesmo sorriso com que costumava recebê-lo.

***

Após essas pinceladas em torno da figura de Carmelo Grisi, que permaneceu encarnado 86 anos (1893-1980), necessárias, em nosso entender, para compreendê-lo melhor em suas palavras e imagens, apresentamos neste livro, os trechos mais significativos de suas mensagens (*), para analisá-los e tecer comentários sobre eles. Esta é a nossa proposta.

Gerson Sestini

Rio de Janeiro, janeiro de 1991

 

(*) A penúltima mensagem do livro, Amigo de Sempre, é apresentada na íntegra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1

 

Retornando à lucidez

 

Lembro-me de que o esquecimento me envolveu devagar... Vivi os meus últimos dias com vocês num clima de sonho. Às vezes me espantava de reconhecer que falava para a Cida os assuntos que não estavam em meus propósitos. O corpo me parecia em muitas ocasiões um violino quase já sem cordas. O arco de minha vontade tangia inutilmente o instrumento da memória que não respondia aos desejos.

***

Eu não mantinha mais governo sobre as minhas faculdades e os protetores espirituais julgaram mais oportuno que eu retornasse no justo momento em que passei ou me passaram.

Romeu, a fé, com o Auxílio de Deus, funcionou em meu benefício. Vendo ao meu lado vários amigos, junto de mim, tão-logo abri os olhos, consciente para a realidade, reconheci que era preciso aceitar a minha transferência sem reclamações.

A nossa querida Elvira continuou, junto de mim, nos cuidados que a nossa Cida me dispensava e nosso doutor Orlando me auxiliou com dedicação nos diálogos de cura. Senti-me hospitalizado, como na Terra mesmo, com a diferença de que no tratamento em Rio Preto, o corpo definhava gradativamente, embora o apoio constante que eu recebi, e aqui, à medida que os dias se passaram, experimentei uma certa revitalização e continuo a assinalar essa mesma revitalização que me atinge todas as forças.

Notei que os amigos vieram aos poucos para os votos de melhoras e boas vindas. O doutor Orlando e o Germano foram dos primeiros a me prestarem auxilio. O irmão Casimiro até hoje me aplica recursos de amparo espiritual, através de passes, e outros companheiros vieram... Foi o Lidaí a encorajar-me, o Dominguinhos a me trazer otimismo e esperança.

***

Estou no início de uma grande jornada para a qual estou refazendo a memória, pouco a pouco.

Ainda me reconheço em refazimento, com a necessidade de disciplina, a fim de melhorar as minhas forças em menos tempo.

(18.10.80)

 

Elucidações

 

Na sua 1.° mensagem, transmitida 204 dias após o desenlace físico, Carmelo confessa: - E natural que nossa Elvira e os outros companheiros me apóiem" (*). Ele demonstra que seus pensamentos foram traduzidos por aquela que fora sua esposa e que faz jus à boa situação que ora goza na Espiritualidade.

(*) VER livro Viajores da Luz - Francisco Cândido Xavier/Caio Ramacciotti (Edição GEEM)

Pela sua narrativa nota-se que, embora não estivesse lúcido para os encarnados na fase final da existência física, ele mantinha a consciência de si mesmo, conquanto não fosse mais capaz de governar sua vontade, com a memória atingida. Daí o clima de sonho em que vivera nos últimos tempos.

Este estado poderia permanecer por longo tempo depois do falecimento, não tivesse ele a fé que o beneficiou, abreviando os dias de angústia e confusão mental.

Ao lado da fé, acrescente-se também a palavra mérito e entenderemos como os espíritos amigos puderam auxiliá-lo naquela fase, com resultados mais positivos, até que chegasse à consciência, porque, na falta de merecimentos, muitas barreiras tornam-se intransponíveis, apesar de toda dedicação que os amigos possam ter, pelo menos, por um largo período de tempo.

Uma vez aceita a situação da transferência de plano, providenciou-se a hospitalização para os tratamentos de revitalizarão e dos diálogos de cura, estes últimos promovidos por Dr. Orlando que na Terra fora médico psiquiatra e amigo pessoal do assistido. Segundo o Chico, este facultativo lidera grupos de atendimento nas esferas espirituais mais elevadas, graças à vida reta que teve, estudando e vivenciando o Espiritismo Cristão (1).

1) Ver a respeito, o livro Viajores da Luz, já citado.

Segundo nos ensinam os Espíritos e os pesquisadores comprovam, a memória do ser está sediada no perispírito. No caso de Carmelo ela ainda não estava restabelecida ao longo de quase sete meses de vida espiritual, porque nos últimos dois anos de vida física, com a avaria do cérebro material que atingiu a área de sua manifestação, houve repercussão no cérebro perispiritual, e este ainda não estava recondicionado (2).

2) As obras de André Luiz, psicografadas pelo Chico, trazem-nos muitas elucidações a respeito do perispírito ou corpo espiritual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2

 

Notícias mais diretas

Querida Cida.

Você me pediu notícias diretas, solicitou para que eu mesmo as escrevesse e a nossa própria Elvira me trouxe até aqui, de modo a tranqüilizá-la. Agradeço as suas lembranças, as suas preces, as suas flores. Vou melhor, mas ainda com os remanescentes da condição de fixação avançada no desgaste físico de que me senti presa por tanto tempo.

Você foi a minha enfermeira e mãe. Compreenderão todos que não posso mudar os meus sentimentos. A sua voz, cada manhã, está comigo: - "Como passou você, meu filho?".

Erguia os meus olhos cansados para saber que a pergunta vinha de você mesma e empenhava-me com todas as forças de que era capaz, a fim de recompor a minha audição para ouvi-la.

Tudo está impresso em minhas lembranças. Às vezes, respondia com calma e de outras, guardava a suposição de que me achava em serviço pesado e gritava quase: - "Porta miséria! Será isso a vida?"

Esta palavra "porta" vem do conselho de nossa Elvira que me pede não empregar a verdadeira expressão de que me valia.

Agora, querida Cida, vou melhorando. Tenho ainda a cabeça tonta. Às vezes, não sei se estou em Rio Preto ou em Votuporanga. Custo a reformar-me. O nosso amigo Dr. Orlando me afirma que isso tudo é seqüela da morte. Eu que não sabia o que fosse seqüela, fico aprendendo, mas aproveito a explicação dele para dizer a você que este comunicado é conseqüência do meu respeitoso amor por você, que me ofereceu tantas bênçãos sem que pudesse, de minha parte, retribuir.

Elvira sabe quanto carinho devo à sua bondade e, com aquela grandeza tão dela, nos deseja sempre unidos e me esclarece que nunca me desejou na posição de companheiro mal agradecido.

Procuro conversar com os amigos que vieram por último para cá e recolho experiências. O Germano e o Etore Zini me auxiliam quais fôssemos alunos da mesma classe de principiantes da Espiritualidade.

Quem diz que o espírito sai voando do corpo que se cuide. Há muito caminho para ser transitado. Pernas fracas, corpo ruim, coração disparado, memória esquecida e pesadelos estão por aqui comigo como estavam aí. Temos tratamentos e exercícios de retomada de nós mesmos.

Acho engraçado chegarmos aqui tão envelhecidos e recebermos instruções para pensar em mocidade e saúde, robustez e agilidade mental e os professores e médicos dos setores em que me vejo ensinam que tudo isso está dentro de nós mesmos e que somos obrigados a reviver as células adormecidas de nosso envoltório espiritual.

Em muitas ocasiões, chego a rir de mim, no entanto, faço o que me mandam. Não nego que certas energias em mim estão acordando como se estivessem paradas num grande sono. Ainda bem que isso acontece por aqui, porque se fosse aí em Votuporanga ou em qualquer lugar, os nossos amigos não acreditariam que o nosso carinho fosse o de filha e pai enfermo, porquanto a idéia do casamento talvez até que balançasse a nós mesmos.

E preciso colocar alegria nos assuntos da morte física, porque isso por aí anda muito embrulhado. Lamento não dispor de recursos para demonstrar que a vida depois da desencarnação é reavivamento e recomposição com base nos meios de nosso próprio espírito.

***

Escrevo assim muito, porque o nosso amigo Dr. Orlando recomendou que eu desabafas-se mesmo, porque preciso dizer aos velhos, quanto eu fui, para que não temam a jornada da grande mudança. Todos encontrarão, creio eu, o que eu encontrei: corpo em desgaste imaginário para ser recauchutado com o nosso próprio esforço de dentro para fora.

(17.01.81)

 

Elucidações

 

Nesta 2° mensagem, dada 9 meses e meio, ou mais precisamente 295 dias depois do desenlace físico, Carmelo já se sente mais fortalecido e com maior liberdade para escrever. Não obstante, nota-se a censura de sua esposa Elvira que lhe estava ao lado para uma expressão em italiano, comum em sua boca, fazendo-o trocar a letra de uma palavra.

A ligação mental entre ele e Cida, que se estreitou no final da existência, está muito clara nesta carta dirigida a ela. As referências feitas aos familiares, tiramo-las para mostrar o essencial nesta comunicarão.

Relembrando seu estado na fase final da vida física Carmelo diz: - "Tudo está impresso em minhas lembranças". Ora, o centro da memória estivera apagado no cérebro material, mas o cérebro espiritual registrara tudo o que se passara e agora ele podia lembrar-se daquela fase. A janela que fora fechada, estava aberta e ele recondicionava suas faculdades mentais da seqüela da morte.

Notemos também a referência aos exercícios para fazer reviver as células adormecidas do envoltório espiritual.

Valiosos apontamentos são encontrados aqui para aqueles que assistem pessoas idosas. Muitas vezes, eles vêem suas esperanças de efetivas melhoras esvaírem-se pelo agravamento dos sintomas; diante da irreversibilidade do estado físico frustram-se e desanimam. Se os familiares dos idosos e os profissionais ligados à área da geriatria aceitassem, todos eles, a continuidade da vida além da decrepitude e da morte biológica, não ficaria a sensação do vazio de não alcançarem a resposta almejada em seus trata-mentos. As melhoras se efetuarão sim, mas no corpo espiritual.

 O amor e a dedicação com que tratarem os idosos ser-lhes-ão retribuídos por estes, rejuvenescidos no Mundo Espiritual, prontos a lhes dar apoio e incentivo nos seus trabalhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3

 

Rejuvenescimento

 

Caro Romeu, vou melhorando e trabalhando. Rejuvenescer por aqui é um fato viável, mas exige muita disciplina do Espírito. E essa disciplina não era o meu forte.

Confirmando o que já disse, freqüento o Instituto de Renovação Espiritual, mas enquanto vocês recordam o meu primeiro ano de afasta-mento, lembro-me de que em tantos longos doze meses, se melhorei no sentido de reforma íntima, posso dizer que avalio isso em dois pobres milímetros, tomando o ano inteiro como sendo o metro.

O nosso Dr. Orlando me diz que é preciso fazer força, mas se fizer mais do que posso, tenho a sensação de que me arrebento. Desse modo, caminho com você, agindo nas tarefas que vocês me proporcionam e ando de Votuporanga a Rio Preto e vice-versa. Se me afasto de algum modo é unicamente para visitar com a nossa estimada Elvira a netinha Carmem Lúcia.

Sinto-me encorajado a facear as obrigações novas com o estímulo do afeto que vocês me alimentam no espírito. Graças a Deus que não larguei os meus arreios que são os deveres que me reúnem a vocês para a continuação da caminhada.

Conforta-me refletir que, se cheguei aqui desfrutando memória deficiente, o Domingos (*) voltou em condições muito mais difíceis. Demora--se muito a me reconhecer de cada vez que o visitamos e formula perguntas de um menino doente.

(*) Irmão de Carmelo que havia desencarnado há quase um ano.

A doutrina que abraçamos nos obriga a raciocinar e a argumentar e isso é ótimo exercício para facilitar a agilidade mental depois de entregarmos o corpo enfermo às reservas da natureza. As observações que aí cultivei me servem aqui de excelentes alicerces para entender, em matéria de trabalho espiritual, o que pedem de mim.

Companheiros e benfeitores são sempre dedicados e muitos. O Lidai Benini aqui presente ao meu lado que o diga. Não se pode vacilar. Se tristezas ou inquietações aparecem no campo mental que se tem, surge logo um amigo a indagar se nos pode ser útil.

Prossigo, como observam, lutando e adquirindo as noções novas de que preciso para elevar o meu grau de percepção e interpretação real do que vejo e do que escuto.

A morte é uma parada. Quem acreditar que isso por aqui é moleza, que se cuide. Creio que se um animal muito inteligente, qual, por exemplo, um símio qualquer, viesse morar em nossa casa de Rio Preto ou de Votuporanga, admitindo que a existência lhe seria aí muito fácil, em poucos dias estaria ansioso de regresso para a mataria grossa, a fim de se libertar dos encargos novos que lhe pesariam nos ombros.

Por enquanto, penso que a desencarnação é isso aí. A pessoa acredita que vai largar o corpo cansado e residir com os protetores espirituais, mas chegando à moradia desses amigos, o quadro apresenta outra figura.

Por agora, não posso dar outras notícias, porque se eu pudesse vestiria o corpo de Carmelo Grisi e voltaria de imediato para a nossa casa e para os cuidados de nossa querida Cida, mesmo na condição de velho doente.

Dr. Orlando e Dr. Justino me refazem o modo de pensar e dizem que estarei outro no ano que vem. Mas não estou muito certo disso, porque no próximo ano, é bem possível que me digam a mesma coisa em relação ao ano de 1983. E assim vamos indo...

Queixas não adiantam. A pessoa nasce e cresce sem tomar remédios e deixa o corpo físico e se modifica por aqui sem tratamento especiais, a não ser aqueles que nós mesmos pedimos ou aceitamos para não ficar para trás. Que ninguém perca tempo.

Estudar e agir, sobretudo fazendo o bem aos outros ou adquirindo bons advogados a nosso favor, nas criaturas agradecidas, é o melhor negócio que se possa efetuar, em nosso plano de ação na existência física.

Entretanto, essas idéias são minhas agora, e depois, é provável que os nossos médicos daqui tenham razão. Que a mudança para mim venha depressa, é o que desejo.

(31.01.81)

Elucidações

 

Embora já se tenham passado um ano e sete meses após a desencarnação, Carmelo denota ainda falta de memória, pois refere-se a "longos doze meses do primeiro ano de afastamento". Parece que despertou efetiva-mente por ocasião da 1 ° mensagem que estava completando um ano. Os sete meses anteriores ele não os computa.

Da hospitalização, dos passes e diálogos curativos passa a freqüentar o Instituto de Renovação Espiritual na colônia a que se vincula no Além. Contudo, mostra-se pessimista quanto aos progressos ali obtidos, para ele, muito pequenos. Em toda sua vida física, ele fora sempre apressado e demonstrava impaciência para as coisas que pudessem demorar. Isso reflete-se agora na sua readaptação.

Nesta fase, limita-se às tarefas entre Rio Preto, nome dado a São José do Rio Preto pelos seus habitantes, e Votuporanga, com raras idas a Jaboticabal, onde vive sua neta Carmem Lúcia. Seus encargos relacionam-se ao atendimento espiritual junto aos centros espíritas e aos familiares, sob orientação de EIvira e outros espíritos amigos.

Carmelo enaltece o conhecimento da Doutrina Espírita, porque promove e facilita a agilidade mental, o que o obriga a raciocinar e argumentar em seus trabalhos. Quando encarnado, nas sessões de seu grupo doméstico era esclarecedor de espíritos. Podemos avaliar o quanto esta tarefa o auxilia agora, na adaptação à nova vida.

Junto a Dr. Orlando, outro médico, Dr. Justino, muito conceituado em décadas passadas, em Rio Preto, continua o tratamento dos diálogos de cura para colocar em ordem as idéias, refazendo os pensamentos. Não obstante, Carmelo demonstra descrédito diante das promessas de grandes mudanças para um futuro próximo e tira conclusões sobre a fase em que está vivendo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4

 

Europa e América

 

Estou abraçando os nossos queridos viajantes com as boas vindas.

Os que caminharam comigo pelas terras do mundo europeu ou aqueles com quem caminhei podem observar a grandeza do solo que pisamos. Terra de todos, mãe da fraternidade e alma estendida na esperança de progresso e felicidade para os povos irmãos.

Queridos Romeu e Hilda, muito grato pelas lembranças em torno da vovó Rosa que prossegue ali onde lhe vimos o refúgio doméstico, na continuação dos seus encargos divinos.

* * *

Aqui na América do Sul está nascendo uma terra nova. Bendita seja essa estrela em forma de território aberto a todos os irmãos em Humanidade.

***

Romeu e Hilda, não sei porque, mas em certos momentos da viagem que acabamos de realizar, tive a idéia de que em alguns lugares estivemos em verdadeiros cemitérios de sofrimento, ao invés de estar percorrendo lugares de tanta gente boa e sempre viva. São estudos que ficam para depois.

(11.09.82)

 

Elucidações

 

Afirma-nos "O Livro dos Espíritos" que os espíritos se deslocam no espaço tão rápido como o pensamento, e podem ter noção das distâncias que percorrem (itens 89 e 90). Isso lhes faculta alcançar países e continentes com facilidade, desde que estejam adaptados à Vida Espiritual.

Reencarnando-se na Itália e lá vivendo até a adolescência, Carmelo veio fazer parte da nacionalidade brasileira. Seus vínculos com aquele país em que tantas vezes espiritualmente pisou, como ele diz, são inegáveis. Nota-se, no entanto, que não lhe é grato recordar-se do passado ali vivido.

Sua efetiva adaptação ao Brasil, pátria que adotou como definitiva, torna-se evidente pelo elogio espontâneo, brotando do fundo do coração, às terras da América do Sul, confirmando o que sempre dizia quando estava entre nós. Elas mostram o futuro promissor que alimenta o ideal dos pioneiros, a "estrela em forma de território aberto a todos os irmãos em Humanidade".

Carmelo, influenciado por Elvira, não deixa de transmitir o agradecimento pela visita feita à cidade de Rossano, na Calábria, onde vivera Rosa Abrigatto, sua sogra na vida material. Afirma que ela continua vinculada aos locais onde vivera, com seus encargos divinos, isto é, nas suas tarefas junto ao seu grupo de espíritos familiares e amigos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5

 

As religiões no além

 

Recebendo, há meses, a visita do nosso amigo Frei Arnaldo, o religioso que todos respeitamos e estimamos tanto, ao ver-nos juntos em conversação amistosa, um amigo, cujo nome a caridade manda omitir, me perguntou se eu estava me confessando... O próprio amigo respondeu que se confessara há muito tempo. Ainda assim, o mesmo companheiro insistiu se eu aqui chegara com os benefícios da Extrema Unção.

Foi uma dificuldade para nos descartarmos do irmão que não encontrou ainda a mínima noção de reforma espiritual. Não digo isso para menosprezar o ato religioso da confissão, pois aqui não temos diferenças, sentimos acatamento natural pelas escolhas uns dos outros e todas as ordens religiosas aqui possuem as suas instituições correspondentes.

A violência não é de Deus e cada pessoa se transforma quando quer ou quando crê que pode experimentar essa ou aquela modificação.

(31.10.81)

 

Elucidações

 

Em todas as culturas e civilizações conhecidas ao longo da história de nosso planeta, as religiões têm sido elemento mais ou menos preponderante dentro do contexto sócio-cultural. De acordo com o grau evolutivo alcançado pelos povos, temo-las ligadas ao ritualismo em diversos graus. Algumas com grandes demonstrações do culto exterior, outras esotéricas, isto é, fechadas ao conhecimento da massa popular, passando das manifestações primárias dos tabus à complexidade poética da mitologia greco-romana, de qualquer forma, sempre imprescindíveis ao equilíbrio mental, o pão espiritual do homem.

As religiões têm, pois, tudo a ver com o plano astral, à medida que este se situe mais próximo da crosta. Como elas são numerosas, pois não há povo que não as tenha, forçosamente existirão instituições correspondentes a elas todas no Além.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6

 

Falando francamente

 

Por aí, prega-se muito sobre as virtudes da morte, mas os amigos reencarnados lançam suposições excelentes, às vezes, em pleno desacordo com a verdade.

É preciso muita mudança para que venhamos a atravessar o rio da vida de um lado para outro. Temos preleções, contatos, instruções especiais e outras práticas de espiritualidade, mas burro velho não toma freio e nessa condição estou caminhando para diante com lentidão de uma tartaruga.

Ainda na semana passada, fomos, um grupo de Votuporanga, a Rio Preto, ouvir uma dissertação do Monsenhor José Rodrigues Seckler, antigo instrutor de desencarnados, em Rio Preto.

O conferencista pintou a Terra por um mundo de delícias. Falou na beleza do Planeta e nas oportunidades de trabalho que ele nos oferece; entretanto, comecei a me sentir mal porque ele exigia que nos manifestássemos felizes e dignos da Casa Terrestre que havíamos deixado.

Quando se referiu à excelsitude dos ensinamentos de Jesus para os homens e a grandeza do Mestre Divino, em todos os seus passos na Terra Santa, o Capitão José Mendes de Oliveira que se acomodava junto de mim com a mãezinha dele, Dona Ana América, com velada ironia, me falou sussurrando:

"- Carmelo, se a Terra fosse tão boa e agradável como se mostra nas palavras do expositor, estaríamos por lá num paraíso."

E porque a mãezinha lhe chamasse a atenção, respondeu com bom humor:

"- Se a Terra fosse o mundo maravilhoso que o mentor apresenta, com certeza Jesus, apesar de crucificado, viria logo, em triunfo, morar nela e isso não aconteceu."

Eu ouço as referências e ando cabreiro. Estou balançando, gosto demais dos filhos queridos para me esquecer daí; no entanto, não me sinto bem aqui, já que vocês me faltam. Estou psicado. Creio que em breve estarei na direção de consulta aos instrutores especiais que, segundo se afirma, nos repõem no lugar certo.

Os amigos me reconfortam e me reerguem as forças, falando de trabalho e de paz; no entanto, de trabalho cheguei por aqui muito cansado para servir de exemplo e paz não conheço nem aqui, nem aí. Dizem que devemos construí-la por nós mesmos, mas é muito problema para fazer a cabeça.

Começamos os ensaios de paz, no entanto, ao chegar uma notícia desastrosa, temos informações de amigos que estão atravessando pesadelos duros de suportar e o remédio é aceitar a luta. Eu penso que nem os anjos encontraram a paz, porque se estão ouvindo as nossas petições, bastará isso para que vivam apreensivos quanto a nós todos, os encarnados e desencarnados.

(16.04.83)

 

Elucidações

 

Carmelo chama-nos a atenção para os enfoques que se dão para nossa permanência no plano espiritual e no plano material. Eles podem ser contraditórios, exagerados e até errôneos.

Conta-nos de uma conferência do Monsenhor Seckler nos campos espirituais de Rio Preto e refere-se ao Capitão José Mendes de Oliveira que fora o primeiro Juiz de Paz daquela cidade, com projeção política na época em que lá vivera. O clérigo fora pároco de Rio Preto em 1914, portanto, contemporâneo do Capitão Mendes de Oliveira.

O incidente que se segue sobre a crítica feita pelo capitão ao pé do ouvido de Carmelo retrata bem a posição que ocupara naquela comunidade como juiz e líder político, portanto, um observador sagaz, sempre atento às argumentações e pronto a colocá-las devidamente nos trilhos do raciocínio correto. A figura materna dá-nos a impressão de um espírito mais lúcido, ajudando-o na nova fase existencial.

Carmelo enfatiza a situação dos encarnados que valorizam as virtudes da morte, sem imaginar as lutas para a adaptação no Além, enquanto que desencarnados gozando já de melhores condições como o sacerdote, podem cair em exageros ao pintar a Terra como um mundo de delícias.

Confessa-se cabreiro e psicado, isto é, desconfiado e perturbado com o que ouve e vê; sente-se inseguro, balançando entre dois mundos, típica situação por que passa a maioria dos espíritos na fase adaptativa após o desencarne. Fala-nos de uma consulta com instrutores especiais para se reequilibrar. Isso de procurar especialistas era muito dele, Carmelo. Tinha sempre uma lista de médicos em São Paulo para as diversas moléstias e indicava-os dizendo: "E um colosso"!

Por nossa vez, observamos que as melhoras não são contínuas na série de desequilíbrios desencadeados com a desencarnação. Existem recaídas e retomadas, tal qual ocorre na convalescença das doenças do corpo físico até o recobro total da saúde.

Às sugestões de iniciar trabalhos e ensaiar a pacificação íntima, faz observações jocosas demonstrando a relatividade das coisas. A seu ver, a construção de paz por nós mesmos é demorada e sujeita a interrupções pelos acidentes do caminho.

Com essa argumentação, conclui que os anjos que trabalham para atender as petições dos encarnados e desencarnados também não poderiam ter paz, pois estariam sempre apreensivos por nossa causa.

7

 

De coração aberto

 

Ei, minha gente de Votuporanga! Estou bem, ao vê-los tranqüilos.

Estou ciente de que temos aqui muitos candidatos ao lápis mediúnico. Nos dois lados. Estou vendo os que desejam trazer notícias e os que anseiam recebê-las. Mas sou eu mesmo a falar. Eu mesmo não sei porque, pois não desejo escamotear a posição de ninguém. O nosso caro Dr. Orlando considera justo que me comunique, decerto para matar saudades e desinibir-me um tanto...

Os amigos daqui não se inclinam muito para os diálogos em torno das situações na Terra e o que sucede é que em nós aumenta a curiosidade de buscar as pessoas queridas para algum comentário, que, por aqui me recomendam, se faça tão simples e tão inofensivo quanto possível. Notem que a censura deste lado é de amargar.

Os mentores de nossa paz e renovação não apreciam favoravelmente as queixas e as reclamações e, por isso, vou seguindo. Coitada da Elvira que me adotou por filho. Faz o máximo para me aperfeiçoar a postura e a linguagem, no entanto, há quem diga que pau nascendo torto até a cinza se faz torta. Com o espírito deve acontecer o mesmo, porque estou sem muitas alterações.

Quanto a nós, Romeu, em Votuporanga, o serviço é de lascar. Aí no plano físico, tanta gente, mesmo entre os espíritas, se declara sem tempo a fim de estudar ou servir nas campanhas do bem, no entanto, não posso contar os amigos que encontro dormindo a sesta do meio dia até a noite, enquanto que outros se dedicam aos papos longos de estourar qualquer saco.

Se a palavra, de certo modo assusta, isso é problema de quem me interprete com malícia. Trabalhei muito suportando sacos de arroz, feijão, pedras, cal e, muitas vezes, o saco estourado se fazia problema de solução difícil.

Mas vocês estejam certos de que o trabalho na Terra é verdadeira micharia. A pessoa diz que se cansa e se esfalfa por isso ou por aquilo, mas faz o que bem entende sem dar satisfação a ninguém.

Eu não sei se vocês já pensaram nas tramas da fiscalização. Eu pelo menos só conheci fiscais para a arrecadação de impostos ou agentes credenciados para surpreender clandestinidades e taxar multas. Nunca vi fiscais para verificar velhacarias, ou para marcar os pontos da preguiça mental em que também vaguei por aí, imaginando-me cansado e inapto para qualquer tarefa extra.

Aqui, a mudança me alarma. Horas para exercício de renovação espiritual, tempo certo para colaborar em tarefas e comissões de socorro, às vezes, até para quem nos recusa a presença, horários para a demonstração de proveito dos conhecimentos adquiridos no mundo e designações constantes para socorro de emergência.

Isso é dose para um Dr. Orlando, para um Frei Arnaldo, até mesmo para um Dominguinhos que não encontrava pausa para se distrair, sempre agarrado ao trabalho, como erva de passarinho quando acerta a árvore.

Para mim, isso tudo é um aceleramento de atividade, para o qual ninguém me preparou. Quando começo a relacionar as minhas dificuldades para atender a tudo o que me indicam, em matéria de serviço, é um amigo ou outro a me lembrar conselhos que já conheço de longa data.

A luta é muito grande e se morrer fosse caso para arrependimento, não me incomodaria de voltar à existência física de qualquer modo. Realmente, ninguém nos obriga a trabalhar, mas se estou situado entre tantos obreiros, não quero ser o vagabundo das histórias policiais. É enfrentar o dever e agüentar os pesos.

Há pouco tempo, anotando os meus contra tempos, a nossa generosa Elvira me falou se eu não desejava regressar à reencarnação. Tantos amigos nossos, tanta gente boa podendo ajudar!

Mas falei da minha necessidade de prestar assistência constante à nossa querida Cida e não me convinha entrar num serviço de mamadeira para esquecer as minhas obrigações para com ela.

Romeu, a sua mãe é sempre aquele colosso de compreensão e de bondade. Depois de me ouvir, em meio daquela criançada toda, ela sorriu e me disse: "É verdade Carmelo, tudo na vida tem preço. Ou você permanece aqui em serviço, voltando a alegria de amparar a nossa Cida ou então você não reclame, de vez que outros amigos nossos poderão talvez promover a sua volta ao corpo físico".

Sem vocês e sem a nossa Cida, Deus me livre de semelhante calamidade! Aceitei com mais calma os meus encargos e procuro não ser o chorão fora de tempo. Estou mais decidido a permanecer em trabalho duro na pedreira que me arranjaram, mas quero e preciso cumprir a minha promessa de auxiliar a nossa querida Cida, aos filhos e netos e também a todos vocês que em Votuporanga continuam sendo a minha família do coração.

Tenho experiência e consentimento para falar-lhes, como faço agora, para que vocês se cuidem. Por aí, vocês todos usufruem sono calmo, ainda que se abatam na cama sob a influência de tranqüilizantes; escolhem os pratos que desejam, especialmente na refeição principal do dia; usam excelentes ventiladores no verão e grossas blusas de lã no tempo frio; passeiam nos fins de semana, se revoltam contra o bicho da inflação, segundo vocês mesmos afirmam; entretanto povoam os campos de futebol, recheiam as casas de diversões e entopem carros e ônibus, segundo o paladar de cada um e desfrutam de outras vantagens mais; no entanto, aqui, preparem mãos para as picaretas, se quiserem permanecer auxiliando alguém.

Quero dizer à Hilda e Martha que o nosso Hilário (*) vai bem. Se ele guarda opiniões iguais às minhas,não sei. Às vezes puxo o fio dos apontamentos, no entanto, ele me fala dos sofrimentos de Cristo para nos elevar os corações.

(*) Hilário Sestini, irmão de Hilda e Martha. E co-autor espiritual do livro Vida No Além, de Francisco Cândido Xavier/Caio Ramacciotti - Ed. GEEM

Escuto os argumentos do amigo e embarco para outras atividades, porque respeito, mas respeito de todo o meu coração a nosso Senhor Jesus Cristo, mas nunca ouvi alguém dizer que Ele reside na Terra ou nos círculos espirituais de trabalho ao redor da Terra, para um diálogo conosco.

Às vezes, penso que Ele estará farto de tantos desacertos nossos, de criaturas humanas encarnadas e desencarnadas e escolheu algum endereço em que não seja incomodado tão diretamente por nossos desequilíbrios e petições. O negócio dá que pensar, embora a gente saiba que ninguém está abandonado pela proteção d'Ele, nosso Senhor e Mestre.

O nosso Dr. Orlando me diz que já estou escorregando e não posso cair em lamúrias sem razão. Agora é voltar com os amigos para encontrar o nosso amigo Frei Arnaldo e seguir adiante para cooperar no socorro a doentes que estão esperando o sossego da noite para a oração mais livre de cortes vibratórios, a fim de receberem o apoio de que se fazem necessitados ou credores.

E a vida continua. Tenho dó de todos os que procuram as portas do suicídio para se libertarem do corpo. Eles não sabem o que fazem. O melhor é ficarmos todos no lugar que a Divina Providência nos marcou para vivermos por determinado tempo.

Quando falo em rigor das disciplinas daqui, o Dr. Orlando me recomenda observar os caminhões na banguela. Sem a ordem diz ele, tudo é risco. Não sei, vamos adiante. As explicações chegarão. É preciso plantar para colher. Tenhamos paciência.

(15.01.83)

 

Elucidações

 

O fato de ser um dos escolhidos a dar mensagem naquela concorrida noite teria motivos relevantes. O que pudemos perceber, é que a extensa mensagem de Carmelo trazia, além das notícias suas, ensinamentos dirigidos àquela assembléia, alguns inadiáveis, a pessoas desejosas de partir deste mundo pela porta ilusória da auto-eliminação, o que atingiria apenas o corpo físico.

Em toda a missiva mostra-nos o pouco que se faz na condição de encarnado, quando se goza de uma liberdade que lá não há para quem se disponha a estar bem acompanhado, porque existem regras rígidas, horários que se impõem, exercícios inadiáveis.

Para aquele que não cultiva hábitos disciplinares, torna-se realmente muito difícil assumi-los de chofre para não ficar na reta-guarda indesejável no mundo espiritual. É disso que Carmelo nos fala, com a maneira espontânea e peculiar de se expressar, fazendo suas comparações e ilações jocosas.

Seus diálogos com Hilário sobre os exemplos do Cristo demonstram a intenção de desmistificar a falsa idéia de que ao chegarmos no Além poderemos estar ao lado de Jesus, como apregoam as religiões tradicionalistas.

Visando os irmãos presentes à reunião, Carmelo coloca o Mestre muito acima de nossas inferioridades e limitações, sem endereço conhecido, mesmo nas esferas espirituais próximas da crosta planetária, embora afirmando que Ele esteja velando por todos nós.

Uma de suas tarefas, na ocasião em que nos deu esta 5.ª mensagem, era acompanhar Frei Arnaldo Maria no socorro aos doentes.

O capuchinho que fora vigário em Votuporanga durante muitos anos tem o tempera-mento semelhante ao de Carmelo. Quando encarnados foram amigos. Frei Arnaldo era muito extrovertido e conhecido de todos na região; contava inclusive com grandes amigos na comunidade espírita da cidade. Desencarnou em 1976, com 48 anos de idade, vítima de acidente automobilístico.

Pelo amor à Cida se submete a nadar contra a correnteza das dificuldades, a fim de poder ajudá-la. A reencarnação para ele, proposta por Elvira, é-lhe algo muito distante ainda porque não quer se afastar dos familiares encarnados e dos amigos do Além. A solução é seguir estes em suas tarefas na condição de mero aprendiz, sem direito de tomar resoluções: apenas obedecer e reprimir as críticas.

Não é fácil aceitar tal posição; necessita treinamentos de humildade e submissão. Porém, ao lado de tantos obstáculos é-lhe concedido algo raro entre milhões de espíritos nas suas condições: fazer alguns desabafos dirigidos ao mundo dos encarnados; ter a quem contar suas experiências, ser ouvido e compreendido por pessoas que pensam como ele talvez tenha pensado e adverti-las sobre o futuro.

 

 

 

 

 

 

8

 

Lição de desapego

 

Querido filho Romeu e querida Hilda, estamos partilhando os nossos minutos de comunhão espiritual.

Não estou tão bem como deveria estar, mas não me sinto tão mal como muitos pensam. Estou na prensa da aceitação. O negócio começou quando me vi obrigado a tudo deixar de modo a entrar neste outro lado da vida. Encontrei bons amigos, recebi de novo a proteção de nossa querida Elvira, reconheci muitos parentes entre os Grisis e os Abrigattos, mas quem disse que é fácil largar tudo o que foi nosso por tantos anos seguidos, a fim de assumir um gênero de vida completamente diverso?

Em princípio, não estudei para ser anjo e continuo velho e moço ao mesmo tempo. Dias aparecem nos quais estou de polegar para cima, e outros muitos chegam para mim nos quais estou de polegar para baixo. Isso pode ser uma lástima, no entanto, sou o que sou e não adianta me fantasiar de espírito protetor, que ainda estou longe de ser.

Peço dizerem à nossa Cida que estou satisfeito. Ela encontra em nosso amigo Nelson um companheiro excelente e não é justo que se preocupe por mim.

Os sentimentos que tenho para com a nossa Aparecida são misturados de muito carinho e reconhecimento, mas nunca tive a idéia de tomá-la por escritura de posse, no cartório da vida. Ela é uma companheira notável pela bondade e está livre como aconteceu com vocês mesmos, os meus filhos, todos sempre queridos. Vocês casaram com quem quiseram e sempre viveram a existência como melhor lhes parece. Em Votuporanga ou em Rio Preto, vocês sempre transitaram com liberdade. Não seria eu que iria devolver à Cida tanto carinho com aspereza e ingratidão.

E esse problema de amizade ou de afinidade aparece para nós aí no mundo ou aqui, à maneira de um rio com fortes corredeiras de que ninguém consegue deter o curso, usando galhos de arvoredo. O que vem do coração nunca se acaba. O que nasce na alma é para crescer na imortalidade. E serviço, por aqui, não nos dá tempo a divagações.

(15.10.83)

 

Elucidações

 

Passados três anos e meio, Carmelo demonstra maiores progressos na sua condição espiritual, embora ainda fale da dificuldade de adaptação, considerando os longos anos vividos na Terra, onde, diz ele, não estudou para ser anjo. É com realismo e graça que expressa sua situação, seus altos e baixos e a sensação simultânea de ser ainda velho, quando já está rejuvenescendo.

Em "O Livro dos Espíritos" há uma questão que nos esclarece quanto às nossas idéias no estado espiritual. Afirmam os espíritos que neste estado elas sofrem grandes modificações à medida que o espírito se desmaterializa, podendo algumas vezes permanecer muito tempo aprisionado entre elas. Mas, com a diminuição gradual da influência da matéria ele começa a ver as coisas mais claramente, e é a partir daí, então, que ele procura os meios de se melhorar (*).

(*) Questão 318

Em relação a Cida, Carmelo é o exemplo de equilíbrio e desapego. Pede-lhe que não se preocupe com ele e que goze sua liberdade, a mesma liberdade que sempre respeitou em todos os seus filhos.

Pelos laços que os une, ele está sempre a par do que lhe acontece.

O problema da amizade ou da afinidade é comparado a um rio que, se existe, é para fluir e crescer em busca do seu destino, a despeito das corredeiras que ninguém consegue deter com paliativos.

E este problema pertence aos dois planos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9

 

O retorno do Doutor Radovir

 

Parece caso pensado, mas nossos encontros obedecem a certa matemática que não compreendo. Vocês chegam de Votuporanga ou de Rio Preto no momento justo em que temos assuntos de urgência para comentar.

Hoje, por exemplo, temos o ocorrido com o nosso Radovir.

Faz hoje precisamente três meses que a nossa Martha esteve aqui mesmo em nossa companhia, levemente influenciada por nosso Hilário (*) que a desejava mais apta, a fim de se garantir na própria segurança, para aceitar sem revolta a viuvez que a esperava.

(*) Irmão de Martha, desencarnado em 1976.

O mundo circulatório do Radovir estava muito difícil. O doutor Orlando já nos havia pedido informação sobre o desequilíbrio que o nosso amigo apresentava e ficamos na expectativa.

Induzi-lo a remédios não se nos fazia possível. O nosso Radovir era um homem que não mudava nem mesmo o próprio passo. Sempre estimei nele um filho amigo que a nossa Elvira me ensinava a compreender. Sem ferir-lhe o nome de modo algum, o nosso caro Radovir era um homem de brigas santas. Às vezes, da conversa dele saíam raio, trovão, granizo e ventania forte; no entanto, quando a tempestade cedia, ei-lo de novo, ao modo de um cordeiro a mostrar-se disposto para qualquer serviço.

A notícia da desencarnação do amigo nos alcançou a todos e tivemos o privilégio de cooperar no trabalho do nosso caro Dr. Orlando que, assessorado por outros amigos, o desligou do corpo inerme, antes que o funeral se dirigisse para a Vila Ercília (*). Acompanhei calado o que se fazia, pensando no apego inútil da maioria das pessoas na Terra, quando se enrolam com teres e haveres que lhes sobem do coração para a cabeça.

(*) Bairro de São José do Rio Preto em que se localiza o Cemitério da Ressurreição, onde foi sepultado o corpo do Dr. Radovir.

Nosso Radovir, que se impressionara construtivamente com as palavras de nossa Martha, logo após a sua estadia por aqui, conservou as impressões da esposa com respeito e segurança. Ele conhecia demais as peças do corpo para se deixar iludir com as opiniões dos colegas e familiares.

Médico é assim mesmo. Sabendo muito mais de si mesmo, em qualquer enfermidade, ele percebeu que Martha lhe entregava notícias do Além, porque se notava próximo da grande renovação. Mesmo ignorando que se lhe transmitia uma revelação doméstica nos diálogos que a esposa levara daqui, assustou-se, como é natural.

Soube ser grato ao carinho da Hilda, ao ministrar-lhe recursos espirituais de última hora e percebeu que a Elvira estava em torno de nossas atividades socorristas, que poderia claramente seguir-nos para tratamento em postos de socorro mais completo, mas deixamos que ele agisse como melhor lhe parecesse. Aceitou os passes da Hilda e as orações que se pronunciaram em seu louvor, mas sair da sua prudência e de sua formação era para ele algo impossível.

Elvira, transformada na enfermeira dedicada, fez o que pôde a fim de aliviar-lhe as dores e alcançou êxito, porque o nosso Radovir, antes de deixar o velório para seguir na direção do pouso da Vila Ercília, se deixou retirar do corpo inerme e não quis assistir ao ato final de sua representação no mundo. Falo em representação porque a Terra, agora, mais se parece a um grande palco, exibindo uma peça agitada em que todos aí somos protagonistas, queiramos ou não.

Agora, é preciso agradecer à querida Martha, quanto fez pelo querido companheiro, partilhando-lhe todas as alegrias e todas as horas difíceis do seu temperamento polêmico.

Comunicamos a ela que o marido está cuidadosamente amparado. Ainda não se apossou de si próprio com segurança. Está na incerteza dos dois mundos que os materialistas querem seja um apenas. Tratado com raios terapêuticos, na base da luz em doseamento que não sei definir, está se libertando das lembranças muito materializadas que alimentou.

Admito que o Romeu e Hilda estivessem na convicção de ouvir-lhe a palavra ainda hoje, mas não foi possível. Está ele sob a hipnose da vida familiar. Fala na Martha, nos filhos e nos outros parentes com ansiedade. Homem de aço, não lhe ficaria bem conversar com os amigos da Terra nu-ma demonstração de sensibilidade doentia de que não foi portador. Ele se restaura e virá até nós com o suporte do amparo do Alto e aguarda mais tempo na quarentena em que hoje se vê, entre a certeza e a indecisão.

(16.04.83)

 

Elucidações

 

Neste noticiário sobre o passamento do Dr. Radovir temos vários pontos a considerar. Comecemos pelo conhecimento de eventos futuros nas esferas espirituais próximas ao plano terrestre.

Hilário, seu cunhado, vivendo no Além, já fora informado de que ele já estava com seus dias contados aqui na Terra, enquanto que os familiares e amigos nada percebiam em relação à sua saúde nos últimos meses. No entanto, a vida física poderia se dilatar por mais tempo, se outros fatores concorressem para isso, mas o Dr. Radovir não colaborou.

Devido à sua personalidade intransigente para consigo mesmo ele não se permitia submeter-se a exames e tratamentos com seus colegas e amigos, entre eles, categorizados cardiologistas. Sua convicção materialista dificultava a aproximação de espíritos amigos para aconselhá-lo a ceder em favor de si mesmo, através de intuições ou contatos fora do corpo, durante o sono físico, a fim de permanecer mais tempo encarnado.

Apesar de seus méritos, ele não pôde contar senão com uma preparação muito superficial para enfrentar o desenlace para o qual, nos últimos dias, os amigos espirituais conseguiram intuí-lo. Sua esposa Martha estivera em Uberaba três meses antes e compartilhara da alegria da quinta mensagem transmitida por Carmelo.

Ao voltar, entusiasmada, conseguiu que ele lhe desse atenção sobre sua visita ao Grupo Espírita da Prece, não tanto pela mensagem ali recebida, mas por relatar as ponderações do Chico sobre o suicídio de um médico que fora amigo seu.

 Quando perguntaram ao médium sobre a situação do médico suicida no mundo espiritual, ele dissera que o espírito tinha a seu favor as operações gratuitas que fizera, pois que passavam de cem, e elas iriam funcionar como atenuantes do seu gesto infeliz. Radovir então retrucou:

Se as coisas forem assim, eu, que opero na Santa Casa diariamente, há 34 anos, terei bastante mérito na "outra vida".

Fez uma pausa e em seguida perguntou à esposa em tom jocoso:

E você, quais são seus méritos para poder ficar junto de mim? Pelos meus cálculos já terei feito no mínimo de dez a quinze mil operações sem cobrar nada. Se existir uma outra existência depois desta, então não estarei tão mal nela.

E quedou-se pensativo.

***

Dr. Radovir era intelectual, agnóstico, como ele sempre dizia, progressista e inconformado com as injustiças sociais.

Muito humano com os doentes e deserdados da sorte, colocava-se, neste particular, ao nível dos verdadeiros cristãos. Ao entregar-se ao trabalho, sentia-se compromissado com a vida, tudo fazendo para que seus pacientes se recuperassem.

A sala de cirurgia era o seu templo; lá dentro era o sacerdote oficiando. Esta era a sua religião, pois somente lá, em plena ação cirúrgica, ele conseguia sentir que "alguém" guiava suas mãos e o advertia sobre detalhes nas intervenções, para que elas fossem coroadas de êxito. Foi um emérito cirurgião, conhecido e estimado na cidade e regiões vizinhas. A pobreza chorou sua morte e disso fomos testemunha.

Seu retorno à Pátria Espiritual ocorreu em 25 de janeiro de 1983 (*).

(*) Após sua readaptação à Vida Maior, o Dr. Radovir também enviou mensagens aos familiares, através da psicografia do Chico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

10

 

Desabafos e promessas

 

De vez em quando, deixo o abafamento de lado e me entrego ao xingatório desorientado. Os amigos, por aí, se me vissem numa dessas, me tomariam por perigoso obsessor, inconformado com as leis de Deus.

Inconformado? Quem sou eu para semelhante proeza! Já sei que os momentos de impaciência nada produzem de bem, mas a choradeira é livre aí e aqui e não posso fazer banca de santo para enganar os outros, ao me colocar de joelhos.

A vida é esta mesma e temos de tolerar o que julgamos infortúnio para nós, embora os Protetores destas plagas nos assegurem que estou nu-ma das melhores posições diante da vida.

(06.02.88)

 

Filhos, ando melhor, mas considerando que a morte é o azar de que se fala. Quero colaborar com vocês e não vejo o corpo que me servia. Isso é um contratempo.

Mesmo arrastando, um pai amigo não deve se afastar dos filhos, mas a morte é uma espécie de Decreto de Deus de que ninguém consegue fugir.

Sei que a oração pode muito, mas temos casos imediatos, como, por exemplo, o capítulo das agressões. Se visse um malfeitor atacando vocês, eu oraria, pedindo a Deus nos socorra, mas sou humano e faria tudo para agarrar o tratante pela gola da camisa e apresentá-lo à polícia. E se a polícia ficasse na vida mansa, eu saberia tomar a providência da luta brava.

Não julguem que me tornei espírito obsessor. Estou consciente. Cada um arreia o burro conforme a vontade do dono e por isso tenho o meu jeito de colaborar com a justiça, quando a justiça prefere dormir. Não estou prosando. Falo com sinceridade. O meu estado de espírito é este mesmo. Carmelo sem grito não seria Carmelo.

(09.03.85)

***

Vocês se cuidem por aí, sustentando-se no corpo físico tanto quanto puderem, porque reafirmo que a morte não dá moleza para ninguém. É tanto exercício a que sou obrigado na esfera de serviço em que me vejo, que ainda continuo de cabeça dura nos freios da disciplina.

Parece a mim que desejam nossos amigos daqui que eu faça tudo quanto deixei de fazer de bom na Terra, qual se eu fosse um burro de carga na obrigação de transportar as cangalhas que não suportei, deixando-as na retaguarda.

 Isso não é fácil. Ser bonzinho a prestações, alguns minutos por semana ou por dia, vá lá! Mas afável com todos a todo o instante, para que nos habituemos a ser bons de fato, a toda hora, é ser-viço duro de roer para qualquer.

Uma dose cada dia, tudo bem, mas tomar em poucos dias tudo o que se deixou para trás a fim de ser feito, é um fogo forte nas brasas de cada minuto.

Tenho esse encargo por aqui e não vejo a hora em que decerto me pedirão para usar as asas dos anjos. Mas tudo é vida e a vida é essa mesma surpresa: dificuldades, obstáculos, desencanto e tristeza, em doses menores, mas somando sempre o remédio da regeneração que se deve sorver de uma vez só.

A nossa Cida me enternece com essas recordações afetuosas e constantes acerca de seu velho Carmelo. Muito obrigado! Mais vale um amigo velho na praça do que um amigo moço longe dela.

(04.12.83)

Elucidações

 

Em algumas de suas mensagens, Carmelo mostra-se mais inconformado com sua situação no Além do que em outras. Nos momentos em que se sente requisitado pelos familiares com problemas, dá-nos a impressão de que está em uma instituição corretiva de onde não consegue sair. Em outras ocasiões tenta dourar a pílula dos amargos remédios que experimenta na dura disciplina aplicada a si mesmo.

Durante esses anos em que se adapta ao mundo espiritual, ele produz um gráfico de seu equilíbrio com baixos e altos, decorrente das crises emocionais e momentos de paz obtidos pela aceitação e resignação.

A retomada de novos hábitos, consentâneos com as prementes necessidades dos momentos críticos é sempre dolorosa.

Diante de qualquer atividade ou trabalho que bitolava ou oprimia a mente, ele sempre se rebelava com recursos imprevisíveis, como os da ruidosa ironia, ou na criação de situações cômicas que obrigavam os implicados a parar para raciocinar sobre o que estavam fazendo.

Sua luta agora é travada consigo mesmo. Aqueles mesmos recursos de que lançara mão para livrar seus semelhantes da auto-hipnose em que se enredavam, estão direcionados para a sua própria pessoa. E isso é um osso duro de roer, como ele disse.

Seus desabafos podem até levar o leitor menos avisado a imaginá-lo confuso e perturbado, a ponto de ter idéias perigosas. Mas, ao contrário, não passam de um jogo para exorcizar suas frustrações, porque no fundo, ele até se diverte com as reações que provoca nas pessoas e sabe que elas são salutares, pois induzem-nas a reavaliarem-se diante da vida.

Carmelo sempre quis chamar atenção sobre si, buscando a simpatia dos que estavam à sua volta, ao mesmo tempo que se doava, oferecendo amizade e otimismo.

Dr. Dias da Cruz em uma de suas mensagens nos informa sobre os recursos psicoterápicos:

..."dispomos, atualmente, na moderna psicanálise, da psicologia do desabafo como medicação regeneradora.

A confissão do paciente vale por expulsão de resíduos tóxicos da vida mental e o conselho do especialista idôneo age por doação de novas formas-pensamento..."(*)

(*) Instruções Psicofônicas - Francisco Cândido Xavier/Arnaldo Rocha, Capítulo 02 - Edição FEB.

 Que riqueza de ilações podemos tirar dessas confissões! Quantas lições temos aprendido com o nosso amigo Carmelo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11

 

As dificuldades continuam

 

A gente por aí, enquanto na existência física, imagina que voar para os Céus é uma proeza de qualquer pessoa, interessada na matrícula em algum paraíso. Contudo, encontramos a nós mesmos, antes de tudo. Não estamos nem muito longe e nem muito perto do território de trabalho em que vocês se situam, mas ainda temos muitos lugares que andar no sentido de se adquirir a melhoria desejada. Eu pelo menos, sou eu mesmo. Fácil de se agradar e muito difícil de me contentar.

Muitos amigos de Votuporanga e de São José do Rio Preto me procuram para compartilhar-lhes dos núcleos de estudo a que se vinculam, mas ainda não me comprometi com ninguém. Sou um livre atirador ligado à nossa casa de trabalho, onde Elvira se tornou Diretora. Educar a vontade, reajustar os hábitos e alterar o nosso rumo por dentro de nós mesmos não são tarefas com base no prato feito. É preciso trabalhar muito em todos os setores.

Comunico a vocês que ando cansado das instruções do Dr. Orlando para que me rejuvenesça. E muita ginástica e muitas privações de recursos imaginários que sendo imaginários não deixam de ter consistência para nós que os forjamos. Para a elevação é preciso ter vindo nas condições de um santo homem, já que não posso falar que eu poderia me apresentar por homem santo, nem mesmo por brincadeira.

Penso que me consideram aqui um desencarnado à margem do progresso. Entretanto, quanto mais persisto em continuar sendo eu mesmo, mais se me ampliam as dificuldades.

Já sei que basta me renovar conscientemente para que a mudança para melhor me favoreça, mas onde está a coragem? A qualquer abordagem de algum desencarnado infeliz que me incomode, o meu palavrão não dorme na boca. E quando algum benfeitor me aconselha, apontando-me os caminhos novos, aí que me esqueço de tudo e afirmo que estou sem memória.

Minha situação é semelhante à cabra na primavera. O animal aproximou-se da planta de gosto desagradável e mastigou-lhe as folhas. Sentindo que a boca quase lhe sangrava de tanta dor, chorou e berrou esperando socorro que lhe viesse de qualquer lado. O socorro, porém, não apareceu e assim que a boca se viu aliviada, ei-la, a pobre da cabra, mastigando as folhas da pimenteira, outra vez.

Não sei se fui assim enquanto estive aí, mas Elvira me aconselha a esperar pelo futuro, a fim de ajuizar com mais segurança com relação a mim mesmo. Penso que se cemitério já foi lugar de descanso, isso já era. Devo enfrentar os meus problemas e não sei como agir para fazer isso.

Os amigos espirituais me permitem escrever com meu próprio estilo nesta noite, para que vocês vejam que a indecisão e a teimosia não são qualidades para conservar. Tão fácil aconselhar os outros, mas no conselho que damos está geral-mente aquilo de que mais carecemos.

Saudades de vocês todos são imensas. Até das brigas calmas sinto falta. Ainda assim, a nossa estimada Elvira, que me parece mais mãe do que companheira, não perde a paciência comigo e vamos indo.

Muita gente poderá perguntar se gente velha como fui ainda precisa de carinho, à maneira de criança. Mas falam isso enquanto não envelhecerem. Todos trazemos uma criança por dentro de nós mesmos e a velhice é o melhor tempo dessa criança aparecer.

Não chego ao disparate de afirmar que um velho deve requisitar mamadeira, mas o mingau sim, o mingau feito com ingredientes de amor é prato nosso, dos que já atravessaram as grandes barreiras da idade física. Falamos, por aí, que os idosos são esclerosados, mas isso é engano. Eles voltam a ser meninos e vocês sabem que o menino habitualmente é o melhor intérprete da verdade.

(03.05.86)

Elucidações

 

Seis anos se passaram e Carmelo apresenta melhoras que não o satisfazem porque, no seu entender, o rejuvenescimento já deve-ria ter ocorrido.

Sua adaptação ao mundo espiritual vai a "passo de tartaruga", segundo ele diz em outra mensagem, pois, é-lhe exigido um esforço maior do que se sente capaz, devido a características de sua própria personalidade que o retêm nos impasses, verdadeiros becos sem saída.

Nesta mensagem, que ora comentamos, ele afirma que os amigos. espirituais o deixaram mais livre para se expressar, a fim de mostrar que a teimosia e a indecisão ainda estão arraigadas nele.

Para quem viveu 86 anos aqui na Terra ao seu próprio modo, sem submeter-se a rotinas, horários definidos ou à obediência a terceiros, pois sempre trabalhou por conta própria, a indisciplina tem-lhe sido agora um dos maiores empecilhos no mundo espiritual.

Ao comparar a velhice com a infância, coloca o carinho como alimento indispensável nestas fases da existência física em interessantes imagens. Conclui dizendo que as crianças são geralmente melhores intérpretes da verdade. De alguma forma, Carmelo se mostra como um menino querendo nos dizer que viver no Além não é tão fácil como muitos imaginam. Enquanto meninos, pensamos nós.

 

12

 

Novas notícias intercaladas

 

O Germano (*), na condição de pai, ainda não achou o famoso descanso que se atribui aos desencarnados.

(*) Germano Sestini, patriarca de numerosa família, entre os quais, os filhos citados a seguir na mensagem; sua esposa, Maria Sestini, também citada, desencarnou em 1985.

A propósito de Germano, encaminhamos o leitor ao livro Vida no Além - Edição GEEM - de que é co-autor espiritual. Também são seus filhos, o co-autor deste livro, Gerson Sestini e D. Hilda, esposa de Romeu Grisi.

(Nota da Editora)

Desde muito tempo luta pela proteção à nossa amiga Dona Maria, e os filhos são mais filhos ainda quando já não temos corpo físico para combinar, parlamentar, conciliar ou brigar até, pelo bem, se for preciso. Ele vem amparando o Alceu e o Germaninho. Por falar nos dois, ambos se refazem devagar.

Aqui os remédios são acompanhados por preleções. Eu não gosto de conselhos, porque já sei que ninguém será corrigido por meus erros. Mas principalmente as preleções do nosso amigo Dr. Orlando continuam severas.

(09.03.85)

***

Desejo notificar a vocês que a nossa querida irmã Dona Maria Sestini chegou muito bem à Vida Espiritual.

O Dr. Orlando e o nosso estimado Dr. Radovir presidiram a cirurgia natural do desliga-mento de nossa querida amiga que foi mãe dedicada, não apenas dos filhos que deixou no mundo, mas também de Elvira e de todos nós que somos e seremos sempre devedores da dedicação e carinho que nos consagrou.

Germano carregou-a nos braços até a ambulância de nosso mundo espiritual, organizada para trazê-la de volta ao Lar Maior. Ela despertou encantada com o que via e com as afeições que a esperavam, ao contrário do que sucedeu comigo que até hoje tenho alergia por assuntos referentes à desencarnação.

(12.10.85)

* * *

O Alceu tem melhorado, esforçando-se para cooperar em favor de Itajara (*) e da filha e o Germaninho continua com alternativas, ora humilde e ora revoltado, querendo o corpo de volta.

(*) Itajara Maria Pimentel Sestini, esposa do Alceu.

Coitado do Germaninho! Ainda acredita que pode retomar o corpo, como quem encomenda a roupa consertada em alfaiate.

E as mudanças prosseguem. Dona Maria Sestini vai muito bem. Trabalha com Elvira na proteção a espíritos desajustados.

Agora veio para a assistência de Elvira a nossa antiga servidora 1). Muito me comovi com a resignação com que ela aceitou a transferência para cá; entretanto, ela era uma grande pessoa no fogão e na limpeza da casa e lhe terá sido fácil a ocorrência da desencarnação.

(1) Meres Orlandi, desencarnada em 1988.

***

Tenho pena do Valdinho, atacado pela carência de afeto, com a esposa remanejada para cá (2). Dizem que tudo isso é vontade de Deus, mas creio no que dizem, esperando que Deus nos acomode em lugar próprio.

2) Aracy Aiello Grisi, esposa do filho Valdinho, faleceu em 1987

Perdoem, se lhes falo assim com essa franqueza. Não podia pôr as mãos postas para aparecer a vocês na condição de um santo que nunca fui. Deus me auxilie a ser melhor do que sou.

 (26.11.88)

 

Elucidações

 

Temos aqui uma sucessão de aponta-mentos sobre as famílias Sestini e Grisi, com referência ainda à desencarnação de uma fiel servidora a elas ligada.

Germano, o patriarca da numerosa família Sestini, desenvolve trabalhos em prol dos seus, pois, como fora sempre muito ativo e líder natural, continua sendo o mesmo empreendedor na Pátria Espiritual.

Dona Maria, sua esposa, tivera a existência prorrogada por mais doze anos na Terra. Um câncer na cabeça a teria levado muito antes de Germano partir, mas a doença regrediu e desapareceu, evidenciando-se um notável caso de cura para o qual se somaram alguns fatores como: mérito, coragem, medicamentos adequados e constante trata-mento espiritual através de passes e água fluidificada.

 Em uma de suas idas a Uberaba, o Chico, rodeado por uma multidão, disse-lhe à distância, em voz forte:

- "Dona Maria, a senhora está curada, Graças a Deus!"

Os objetivos da cura tinham sido alcançados, graças ao aval da Espiritualidade Maior.

Nos seus últimos anos, porém, com a idade avançada, D. Maria fora acometida pelo "mal de Parkinson", o que a fez sofrer bastante, preocupando a todos, parentes e amigos, encarnados e desencarnados.

Sua passagem paro o Plano Espiritual, significou-lhe o justo prêmio para quem cabalmente cumpriu com abnegação e renúncia os compromissos assumidos junto da família e da Comunidade.

 

 

 

13

 

Amigo de sempre

 

Meu caro Romeu e querida Hilda, começo por vocês as minhas saudações. Em seguida temos a Martha com o Nininho, temos o Carmelinho e o Gerson. E mais os outros amigos, pois a todos desejo saúde, paz e alegria.

Então, Romeu, você pegou uma brasa de nome pleurite e está remando em maré alta. E isso mesmo, meu filho. Tratar-se e depressa. O corpo físico é semelhante a uma barca no rio da vida ou no mar das provações. Se uma brecha aparece no casco, é indispensável tampá-la com urgência. O nosso prezado Dr. Radovir diria tamponá-la, mas fico no meu português fora de Portugal. Inventamos as palavras conforme as necessidades do momento.

 Felizmente, você está muito bem tratado e muito bem paparicado pelos médicos daí e daqui, com a Hilda de permeio presidindo a formação de caldos que lhe devolvam as forças. Você merece. Tive a assistência de nossa Aparecida que em muitas ocasiões me servia de mãe; no entanto, o meu caso não era benigno e tive de largar meu canteiro à força, na horta da vida.

Seus remédios estão muito bem lembrados, e de minha parte apenas acrescentarei que o repouso possível lhe fará muito bem até que a febrícula não mais apareça. Outra lembrança de que não devo me esquecer para cooperar em seu bem físico é o uso do mel puro de abelha, diariamente, por alguns meses, para melhorar os pulmões.

Hoje, não sei em que lugar na Terra o ar não estará poluído. Por isso, lembrar num clima que se mostre melhor que o de Votuporanga para mim é bobagem. Em qualquer parte da Terra de hoje, você larga a labareda e cai no tição aceso. A providência é confiar em Deus e fazer o que se faça possível para que a saúde volte à normalidade.

Continuo a pensar que para mim seria muito melhor continuar no meu corpo velho do que contar vantagens com o meu corpo novo. A quem possa aconselhar faço sempre o aviso. Gente, fiquem por aí mesmo, aproveitando os frutos da Terra e das alegrias da experiência física, porque morrer não dá camisa para ninguém.

E pena que a nossa Aparecida e a nossa Henriqueta não tenham vindo para completar o nosso plantel de alegrias e boas recordações. Mas sei que a ausência das duas está plenamente justificada. Nem sempre marido e mulher podem viajar de uma só vez, porque os parentes são nossos jarros de estimação e se um aparece não nos será possível deixar de prestar-lhe as honras.

Por aqui, tudo sempre bem. A nossa estimada Dona Maria está muito bem acompanhada pelos tratamentos do Dr. Orlando e pela assistência do nosso Hilário. Em breve estará tão jovem quanto antigamente, porque noto aqui que as mulheres são mais hábeis para a obediência às instruções da Vida Espiritual, cumprindo-lhes as determinações, o que não acontece com os homens, principalmente com um homem de meu naipe, sempre duro de molejo.

O que acontece é que a gente, isto é, nós outros, os homens, vamos ficando para trás, mas com isso não me importo, porque sei que Deus criou o tempo para todas as vocações.

O Alceu está muito melhor, quase plena-mente recuperado, mas o Germaninho não acompanha o ritmo do irmão. É teimoso, qual me acontece.

Há poucos dias, de visita a ele, em companhia do Hilário, cheguei a lhe dizer: "—É, rapaz, você parece mais Grisi do que Sestini", referindo-me a mim mesmo, espírito rebelde e brincalhão. Ele não gostou da brincadeira e me lançou um olhar de censura. Mas isso não alterou os nossos assuntos. Ele continuou Germaninho e eu continuei Carmelo.

Do nosso pessoal, quem está na crista da onda em matéria de trabalho é o nosso Dr. Radovir. Fico imaginando que ele, homem sem religião, está muito à minha frente que seguia as preces de nossas reuniões com as idéias turvas e as palavras bonitas que eu ouvia e transportava para dentro de mim.

Noto que o nosso Radovir está inclinado aos assuntos da fé, principalmente com tudo o que tem visto com os próprios olhos, no terreno das obsessões, no entanto, o homem não perde tempo em conversa vazia.

 Os amigos se referem a ele, informando que poderia estar se adaptando a esferas de Vida Superior, entretanto, ele diz que o lugar dele é ao lado de todos os doentes aos quais possa prestar auxilio e com isso não dá bolas. Toca o serviço para diante e tem tido a alegria de rever amigos que lhe admiram as qualidades.

Ainda na semana passada, visitando um amigo na Santa Casa, encontrei-o em conversação com o Dr. Matheus Júnior e com o Dr. Mendes Pereira.

Os médicos aqui trabalham muito, quando querem. Os que cultivaram a vocação para a medicina e praticaram-lhe com sinceridade os preceitos, me parecem escravos de obrigações das quais não se arredam, e como sucede na Terra mesmo, os que não conservaram a vocação, conservam a malandragem. Entretanto, isso é outra história na qual não desejo entrar. Vamos devagar para irmos mais longe.

O Radovir me recomendou trazer abraços para a Martha, e para os filhos que a assistem. Desse modo, o Nininho recebe o abraço fraterno por todos da família.

Ele, o nosso Dr. Radovir, tem ido em companhia de nossa Martha até o sítio e fica encantado com as flores. Homem de sorte. Não acreditou em Deus, não se ajoelhou nas igrejas e nem praticou qualquer culto e recebeu uma companheira que lhe oferece flores, para que se encoraje a trabalhar e a servir sempre mais.

O Gerson merece os nossos parabéns pelo grupo que sustenta no Rio. Olhe que trabalhar na praia é um esforço muito maior do que aquele que se gasta nas montanhas. Não quero ferir ninguém, pois isso seria ferir a mim mesmo, no entanto, trabalhar para as obras de Deus num lugar repleto de beleza e de muita gente com pouca roupa é um sacrifício que merece bênçãos especiais. Assim penso. Carmelinho, peço a você abraçar a Henriqueta e a Cida por mim.

Romeu, fique restabelecido depressa e não deixe de valorizar os medicamentos. O negócio é este: a quem valoriza os remédios, os remédios igualmente valorizam.

Agora é preciso dizer tchau a vocês todos.

Dr. Orlando está em nossa companhia e me lembra que devo parar, sob pena de ser matriculado no tratado dos chatos. Creiam, porém, que lhes falo com todo o coração de pai e amigo.

A Elvira lhes envia muito carinho e muitas lembranças.

Com as muitas saudades de sempre, peço--lhes desculpas se me esqueci de alguém ou de algum assunto em que deva tomar parte.

Muito amor e reconhecimento do pai e companheiro, servidor e amigo velho.

(11.01.86)

 

Elucidações

 

Achamos conveniente reproduzir essa mensagem sem cortes para que o leitor verificasse a variedade de assuntos insertos em suas cartas do Além.

Mais uma vez Carmelo provoca risos na platéia que ouve atentamente a leitura da mensagem pelo Chico, ao insistir sobre as vantagens da vida terrena, alertando a quem pudesse interessar que morrer não dá camisa para ninguém.

Quando Carmelo diz que fica no seu português fora de Portugal, ele apenas ameaça exprimir-se como sempre o fez: inventar as palavras conforme a necessidade do momento. Em toda sua vida ele adaptou termos difíceis e palavras estrangeiras ao seu modo, criando, às vezes, dificuldades para o interlocutor menos avisado. Na obra "Jovens no Além" (*), o lápis de Chico flexibilizou-se aos termos novos e gírias daqueles espíritos a tal ponto que, em certos trechos, parecia estarmos lendo em língua paralela ao português. Mas, para Carmelo, este mesmo lápis procura recolocar suas palavras e frases de maneira a tornar mais claras suas idéias, atendendo a outros objetivos.

(*)Francisco Cândido Xavier/Caio Ramacciotti - Ed. GEEM.

Em se referindo ao rejuvenescimento de Dona Maria Sestini, que lá chegara há três meses apenas, nosso amigo traça um paralelo entre homens e mulheres no Além, dando vantagem a elas porque seguem as instruções obedientemente, o que a maioria dos homens, como ele, não conseguem, por serem indisciplinados e pouco flexíveis.

 

 

 

 

 

 

 

 

14

 

Os supostos mortos

 

Eu ainda não me habituei com o meu problema. Elvira é uma santa, protege muita gente, mas eu não consigo bendizer o meu novo corpo, de vez que não tenho forças para as disciplinas necessárias.

Diz o Dr. Orlando que o meu corpo aqui ainda está parecendo máquina emperrada pela falta de coragem com que encaro as transformações às quais devo me habituar para readquirir a minha antiga forma; no entanto, estou como estava. Sou inimigo de cemitérios e não sei como agiria se houvesse sido conduzido por vocês às cremações.

Sei apenas que a minha vida foi feita de trabalho duro, para criar vocês, os meus queridos filhos, e não voltei assim tão velho para cá porque ainda me via dono de muita força para trabalhar.

* * *

E para vocês observarem: os supostos mortos são iguais aos vivos imaginários. Os vivos imaginários sabem que vão morrer e parece que ficam satisfeitos em refletir no sono que precisarão enfrentar; entretanto, lá vem um dia em que exigem o corpo de novo e ei-los irritadiços e revoltados.

Os supostos mortos, segundo creio, em grande percentagem querem o corpo em que viviam, mas já não desconhecem que isso é impossível e grande parte não tem outro assunto senão as reivindicações a que se sentem com direito.

Há dias em que me creio no purgatório de que nos fala a religião tradicional e considero seriamente a minha posição, mas se sou assim como sou, não posso ser o que os outros querem que eu seja.

***

Digam a todos que estou no mesmo pé-de-valsa. Rodando sem sair da faixa de espaço que me serve de residência. Não digam, meus filhos, que a minha teimosia é um mal contra mim mesmo. Deixem-me na intransigência em que sempre vivi e vamos para a frente. Espero que vocês atravessem os dois mil e vivam aí por muitos e muitos anos.

(26.11.88)

 

Elucidações

 

A insistência com que Carmelo fala de seu problema é um aviso, um alerta, com objetivo certo para atingir o alvo certo: as pessoas inconformadas com a vida. Em nossas idas a Uberaba temos visto centenas delas, principalmente as que perderam entes queridos: mães e pais desesperados; avós inconsoláveis; irmãos, namorados e amigos traumatizados e amargurados, todos sofridos, enfrentando crises existenciais, sem o conhecimento da Doutrina Espírita.

Chegam até ao Chico na esperança de obter uma notícia, uma mensagem que comprove a existência do ente amado, além da esfera física. E deduzem que sendo isso verdade, gostariam de estar junto dele, deixar este mundo, depois de ter recebido tão rude golpe, quando amavam tanto a vida e se sentiam seguros e felizes. Só agora vêem o quanto foram felizes! Agora, depois da dolorosa separação que lhes traz a sensação do vazio, o vácuo de ser sem o outro ser...

E o Chico, com sua equipe de abnegados colaboradores ouve o clamor de seus corações que parecem arrebentar de tanta angústia.

Muitos, ao permitir que a Luz do Evangelho lhes banhe a alma sofrida, ali mesmo se acalmam. Recebem a Boa Nova do Mestre Jesus, pregada e vivida em sua simplicidade por aqueles que abraçaram o Espiritismo e fazem dele a principal meta de suas vidas. Voltam para as suas cidades e retornam às suas atividades, fortalecidos e dispostos a enfrentar seus problemas, pois contam agora com o apoio do Mundo Espiritual e se amparam na Doutrina dos Espíritos, fonte inesgotável de esclarecimentos e consolações.

Já não são mais 'vivos imaginários'.

Carmelo compara-se aos supostos mortos. Em tom brincalhão, evidencia, como, aliás, o faz em todas as suas mensagens, as dificuldades de readaptação no Além.

No entanto, reconhece que é chegado o momento de transferir-se de vez para o Lar Maior onde vivem Elvira e tantos amigos.

Reintegrar-se aos planos de trabalho, compreender-se melhor, são algumas das tarefas que o esperam, tão-logo abdique da admitida condição de suposto morto.

 

***

 

Pequena Biografia de Carmelo Grisi

 

1893 - 1980

 

Carmelo Grisi nasceu na Província de Trecchina na Itália em 23 de novembro de 1893.

Chegou ao Brasil ainda adolescente junto aos seus irmãos, fixando residência em São José do Rio Preto, São Paulo.

Casou-se com Elvira Abrigatto Grisi, médium, que se dedicou ao tratamento de obsessão. Foi ela uma das pioneiras do Espiritismo naquela região.

Do matrimônio nasceram quatro filhos.

Com o desencarne de Elvira em 12 de fevereiro de 1954, companheira de todas as horas, a saudade era imorredoura. Cinco meses depois, foi procurar Francisco Cândido Xavier que, nessa época, residia em Pedro Leopoldo e trabalhava na Fazenda Modelo, onde se encontraram. Logo no início do diálogo Chico disse: "Carmelo, Elvira se encontra presente, em companhia de três entidades amigas" identificando os espíritos.

Na noite de 02 de julho de 1954, Chico recebia consoladora mensagem da querida esposa, cuja veracidade muito o emocionou. A partir dessa data, ele voltou sua atenção para a filantropia.

Sete meses após o seu retorno ao plano espiritual que se deu em 28 de março de 1980, escreveu a primeira mensagem, em 18 de outubro de 1980, pelo amigo Chico Xavier.

A partir daí seguiram-se novas mensagens que foram enfeixadas no livro Carmelo Grisi, Ele mesmo.

 

 

Fim