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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Maria Dolores–Francisco Cândido Xavier

Índice do Blog

 

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Maria Dolores

 

 

Chico Xavier

Maria Dolores


Índice

 

A Lenda da Rosa

A Lição do Dinheiro

Afeições

Alguém Convida

Carta do Perdão

Conquista de Paz

Convite

Coração de Mãe

Coro de Preces

Dom de Deus

Drama de Mulher

Estudo no Lar

Lema da Felicidade

Lembrança de Coragem

Meia Hora

Mensagem da Paz

Mensagem da Terra

Mensagem da Vida

Mensagem de Mais Alto

Mensagem do Pântano

Nota de Fé

Notícias de Deus

Obreiros de Deus

Ofensores

Oração por Humildade

Palavra da Fé

Para Melhor Servir

Petição em Serviço

Por mais Luz

Reencontro no Além

Regra de Luz

Rendição

Rogativas de Paz

Romagem do Bem

Serve e Confia

Sinal de Deus

Súplica de Mulher

Tesouro da Vida

Uma Luz

Vacina

                                                                                


A Lenda da Rosa

Maria Dolores

 

Dizem que quando a Terra começava

A ser habitação de forças vivas,

Nas telas primitivas,

Tudo passara a ser agitação de festa;

As cidades nasciam

Em singelas aldeias na floresta...

A beleza imperava,

O verde resplendia,

Toda a vegetação se espalhava e crescia,

Dando refúgio e proteção

Aos animais,

Do mais fraco ao mais forte...

O progresso ganhava as marcas de alto porte.

 

No campo, as plantas todas

Respiravam felizes,

Da folhagem no vento à calma das raízes;

Era um mundo de belos resplendores,

Adornado de flores,

Com uma estranha exceção.

Tão-somente, o espinheiro,

Era triste e sozinho

Uma espécie de monstro no caminho,

De que ninguém se aproximava,

Todo feito de pontas agressivas,

Recordando punhais de traiçoeiro corte,

Que anunciavam dor e feridas de morte.

 

De tanto padecer desprezo e solidão,

Um dia, o espinheiral

Fitou o Azul Imenso e disse em oração:

- Senhor, que fiz de mal

Para ser espancado e escarnecido,

Todos me evitam cautelosamente

Como se eu não devesse haver nascido...

Compadece-te, oh! Pai, da penúria que trago,

Terei culpa das garras que me deste?

Acendes astros mil para a noite celeste,

Vestes a madrugada em mantilhas vermelhas,

Dás lã para as ovelhas,

Inteligência aos cães, cântico às neves,

Estendeste no chão a bondade das fontes

Que deslizam suaves

Na força universal com que desdobras,

A amplitude sem fim dos horizontes,

Em cujo místico esplendor

Falas de majestade, paz e amor...

Não me abandones, Pai, às pedras dos caminhos,

Se posso, não desejo

Oferecer somente espinhos...

Quero servir-te à obra, aspiro a ser perfume,

Inspiração e cor, harmonia e beleza,

Para falar de ti nas leis da Natureza.

 

Dizem que Deus ouviu a inesperada prece

E notando a humildade e a contrição do espinheiral,

Mandou que, à noite, o orvalho lhe trouxesse

Um prodígio imortal.

Na seguinte manhã, logo após a alvorada,

Por entre exalações maravilhosas,

O homem descobriu, de alma encantada,

Que Deus para mostrar-se o Pai e o Companheiro,

Atendendo a oração pusera no espinheiro

A primeira das rosas.

 

 


A Lição do Dinheiro

Maria Dolores

 

Ele era salteador pela primeira vez.

O cofre agora aberto estava á mão.

E, lá dentro, ele viu, ante a casa vazia,

Um pacote mostrando que trazia

A soma respeitável de um milhão.

 

Dispunha-se a empalmar toda a quantia...

Quando o dinheiro lhe falou

Em forma de conselhos e queixumes:

 

- Pensa, amigo,

Na obrigação que assumes,

Ao levar-me daqui, nas condições de um louco,

Já que podes buscar-me em compromisso

Entre a força da fé e a bênção do serviço

Retirando-me em paz, lidando pouco a pouco,

Não quero ser motivo

Para que sejas preso como eu vivo.

Fui criado por Deus para fazer o bem,

Não desejo aumentar as lutas de ninguém

Quero sair daqui para ser agasalho

Aos que gemem sem teto e sem trabalho.

Anseio consolar as mães que padecem na estrada,

De alma aflita e cansada,

Ante a dor dos filhinhos

A esmolarem socorro em remotos caminhos;

Espero ser o apoio do homem triste

Que de tanto sofrer necessidade,

Já não sabe se resiste

À tentação da morte que o invade.

Sonho doar auxílio ao doente sem nome

A fim de que suporte

Ao duro sofrimento que o consome

Livrando-se, por fim, das lâminas da morte,

Quero sair daqui para que alguém me aceite

De modo a ser o amigo sorridente,

Que ofereça uma xícara de leite

À criança doente.

Quero ser cobertor para quem sente frio,

Prato que nutra, força que refaça,

Algo que plante amor no coração vazio,

Instrumento do bem que ajuda, serve e passa.

Mas ouve, amigo meu, não me faças razão

De largar este cofre e levar-te à prisão.

Trabalha e vem buscar-me

Sem calúnia, sem crime, sem alarme,

Quero ser luz e ação em tudo o que progrida

E seiva a circular nas árvores da vida

Vê onde a sovinice me prendeu,

Não te desejo o cárcere em que moro

Na prova rude que me aconteceu.

Quero ser livre e forte, assim como és,

Caminhar com teus pés

Aspiro a ser-te amigo e companheiro...

Calara-se o Dinheiro

E o pobre salteador inexperiente,

Recuando, atingiu grande portão à frente.

 

Nisso, o dono da casa, envolto em grande escolta,

Veio à mansão de volta;

Vendo o lar violentado e o cofre aberto

Com o dinheiro intocado,

Saudou o salteador que via perto

E acreditando nele a presença de alguém

Que lhe guardara a casa para o bem,

Agradeceu-lhe o gesto

De homem leal e honesto...

 

Sustentando o silêncio e a tristeza no olhar,

O pobre sem vintém começou a chorar...

 

Ali mesmo, porém, começou vida nova,

Transformado por dentro, alterou-se lhe a prova;

Passando a servidor da mansão que arrombara,

Agia com firmeza, nobre e rara...

Trabalhou a formar, de tostão a tostão,

Os bens com que sabia socorrer

Quem achasse a sofrer...

E quando auxiliava aos semelhantes

Em provações alucinantes

Nos quais dizia ver os próprios irmãos seus,

Rememorava a fala do milhão

E clamava, em voz alta, ao lembra-lhe a lição:

- Obrigado, meu Deus!...

 

 


Afeições

Maria Dolores

 

Se pretendes conquistar

A bênção do amor na vida,

Não prendas, alma querida,

O coração de ninguém.

O amor é assim qual o rio

Que tanta grandeza encerra,

Ele, o irmão... a irmã é a terra,

Unidos fazendo o bem.

 

Se a terra prendesse o rio,

Ei-lo pântano perfeito;

Se o rio largasse o leito,

Eis o deserto a reinar;

Mas se um apóia o outro,

Trabalhando livremente,

Formam a grande corrente

Que se renova no mar

 

Nessa linha, as afeições,

Sob o respeito profundo

Que devemos dar ao mundo,

Aos que amamos - teus e meus –

São sempre o amor sem mudança

Em constante primavera,

A luz divina que espera

Mais luz nas Luzes de Deus.

 

 


Alguém Convida

Maria Dolores

 

A fim de não descermos, alma boa,

A considerações frias e cegas,

Lembra, no culto da beneficência,

O tesouro de bênçãos que carregas.

 

Usando as mãos tão ágeis quanto livres,

Sem quaisquer embaraços,

Pensa na provação dos companheiros

Que caminham sem braços.

 

Em contemplando céus, estrelas, flores,

Sem notar que a visão é um dom de luz que levas,

Fita os irmãos que trazem sobre os olhos

Duas vendas de trevas.

 

Manejando a palavra que te exprime

E com que prendes tanto quanto estudas,

Medita na extensão das outras vozes

Inibidas ou mudas.

 

Ante os seres queridos

Que te ofertam amor e que estimas amar,

Anota, coração, os que varam a vida

Sem um pouso por lar.

 

Envolvendo em conforto um filho amado

Que recolhes por laço predileto,

Reflete nos pequenos desprezados

Que padecem na rua a carência de afeto.

 

Enquanto a fé te ampara e abençoa a alegria,

Lutes, de estrada a estrada, muito embora,

Encontras tanta gente arrasada de angústia,

Tanta gente que chora!...

 

Enumera as vantagens que desfrutas

E escuta, alma querida, o convite de alguém

È o Cristo que aguarda o concurso fraterno

Para estender no Mundo a construção do Bem.

 

 


Carta do Perdão

Maria Dolores

 

Alma boa, onde estiveres,

Tranqüiliza quem te escuta,

Seja na dor ou na luta

Da prova que envolva alguém...

Construindo entendimento,

Eis que a vida te deseja

A palavra benfazeja

Na garantia do bem.

 

Recorda: às vezes, o incêndio

Que se amplia, cresce e arrasa

É uma faísca de casa,

Mantida em desatenção;

Vemos também grandes males,

Surgindo de bagatela

Que a sombra desenovela

Num pingo de irritação.

 

Fita os Céus... De estrela a estrela,

O Universo brilha e avança

Com garbos de segurança

Que não se sabe explicar;

É Deus que nos lembra à vida,

Desde os Paramos Supremos,

O dever que todos temos

De servir e edificar.

 

Onde estiveres, atende

Ao nosso claro programa:

Desculpa, trabalha e ama

Em qualquer senda a transpor;

Onde a discórdia apareça,

Aí é que Deus te eleva

Por luz que dissipe a treva

Na benção do Eterno Amor.

 

 


Conquista de Paz

Maria Dolores

 

Não creias, alma querida,

Seja a prova que atravessas

A chaga maior da vida,

Marcando suplício atroz;

Enquanto expões o que dizes,

Há corações pela estrada

Tão tristes, tão infelizes,

Que a dor lhes consome a voz.

 

Esse carrega desgosto

Regado de pranto oculto,

Aquele em pleno tumulto,

Sente angústia e solidão;

Outro tem tanta amargura

Que treme quando caminha,

De alma cansada e sozinha,

Caindo em perturbação.

 

Esse transporta doenças,

Embora a expressão correta,

Outro tem mágoa secreta,

Disfarçando o próprio “eu;”

Aquele chora e tropeça

Na penúria em que se arrasa,

Outro viu a morte em casa,

Revoltou-se e enlouqueceu.

 

Alma irmã, tolera e aceita

A provação recebida,

Abençoa a própria vida,

Seja essa vida qual for;

O sofrimento, onde esteja,

É a luz com que Deus nos guia

Nas lutas do dia-a-dia,

Para a conquista do Amor.

 

 


Convite

Maria Dolores

 

Se te vês nesta noite,

De alma desencantada e dolorida,

Concentrando a atenção na angústia que te invade,

Medita, coração,

Nos outros companheiros que se vão

Nos caminhos da vida,

Sob as pressões da prova e da necessidade.

 

Regresso agora de estira giro,

Para buscar-te aqui, em teu doce retiro,

A calma da oração,

Entretanto, alma irmã, se me permites,

Comentarei as dores sem limites,

Da multidão agoniada

Que encontrei na jornada.

 

Com certeza, já viste

As trevas e aflições de tanto quadro triste,

Mas peço ainda o teu consentimento

A fim de relembrar-te

O vasto espinheiral do sofrimento

Que nos roga socorro em toda parte.

 

Deixa, enfim, que eu te diga,

Alma fraterna e amiga,

Quanta amargura vi por onde andei...

Vi mães em catres de doença e luta,

Lançando petições que a Terra não escuta,

Pedindo, em vão, a xícara de leite

Para o filhinho semi-morto

Agonizando à míngua de conforto...

Vi outras nas calçadas,

Carregando no colo os anjos de ninguém

Pobres irmãs abandonadas

Aspirando a escalar as alturas do bem.

Acompanhei velhinhos,

Outrora moços de bonito porte,

Tão fatigados, tão sozinhos

Que pediam a Deus a compaixão da morte.

Achei muitos irmãos enfermos e cansados

Em desespero imanifesto,

Sem pensar nas terríveis conseqüências

Que nascem desse gesto.

Vi crianças, ao léu, com febre e sono,

Relegadas à noite em penoso abandono...

Visitei tanto lar vazio de esperança,

Tantas mansões em lágrimas ocultas

E tanta dor nas choças das favelas,

Que, de fato, não sei explicar, a contento,

Onde há mais solidão e onde há mais sofrimento

Se nas casas mais ricas e mais altas,

Ou nas outras mais tristes, mais singelas...

Por isso venho aqui, alma querida e boa,

Para pedir qualquer migalha,

Em favor de quem chora...

 

Ama, ensina, trabalha,

Sofre, ajuda, perdoa...

Lá fora, um mundo novo nos espera

Por nossa fé sincera

Traduzida em serviço...

 

Olvida a própria dor...Lembra-te disso:

Temos nós com Jesus a obrigação

De esquecer-nos e agir

Para que a paz do bem seja a paz do porvir.

Não te percas em lágrimas vazias

Pensa na força que irradias

Pela fé que Jesus já te consente

Deixa as tribulações e os pesadelos

Que te fazem chorar,

Reflitamos no amor sinceramente,

Anota as provações de tanta gente,

Sai de ti mesmo e vamos trabalhar!...

 

 


Coração de Mãe

Maria Dolores

 

Dizem que quando a Terra foi criada

Fazendo-se possuída

Pelos filhos da vida

Que vinham de outros mundos,

Tudo na estrada humana,

Cortando a imensidão dos campos infecundos

Era a dominação do ódio que se aferra

A dissenção, à morte, ao desespero e à guerra...

 

Foi quando um mensageiro

Do Céu às criaturas,

Regressou às Alturas

E disse humildemente ao Grande Deus:

- Senhor!

O que posso fazer dos homens sem amor?

Do cérebro mais tardo ao gênio mais precoce,

Tudo na Terra é luta em conquistas da posse.

 

Compadece-te oh! Pai!... veneno, flecha e clava

Formam no mundo inteiro a Humanidade escrava,

Da descrença, do mal, da impiedade e do crime,

Sem qualquer esperança a que se arrime.

Já não se agüenta ouvir os urros do mais forte

E o choro dos vencidos,

Pisados, massacrados e caídos

Nos sarcasmos da morte.

Que fazer, Grande Deus, nas trevas dessa luta,

Em que a luz se nos nega e ninguém nos escuta?

 

Revelou-se que o Pai de Infinita Bondade,

Pensou, por muito tempo, e disse, comovido:

- Aceito, filho meu, quanto me falas,

Entendo-te o pedido!...

Volta ao mundo a servir na tarefa em que avanças,

Os que morrem no mal renascerão crianças.

A Terra evoluirá – ponderou o Senhor –

Ninguém alterará minha obra de amor.

A fim de desarmar a violência e a cobiça,

Instalarei no mundo a força da Justiça

E para que haja amor exterminado o orgulho,

Sem pancada, sem grito, sem barulho,

Enviarei alguém,

Que ame os filhos meus, com o meu amor ao bem,

Na exaltação da paz, em desprezo a ninguém.

Alguém que saiba amar, a servir e a sofrer,

Cultivando o perdão como simples dever.

 

Dizem que foi assim

Que a Terra começou a fazer-se jardim.

Ouviu-se verbo novo, alteraram-se imagens,

E conforme o Senhor mandou e prometeu,

Entre as rudes mulheres dos selvagens,

O Coração de Mãe apareceu.

 

 


Coro de Preces

Maria Dolores

 

A pobre homem que desanimara

E se pusera, à beira do caminho,

Contando pedra, nuvem, charco, espinho,

Enrodilhado a pensamento vão,

O Céu determinou que ouvisse a Natureza,

E ele escutou, de alma surpreendida,

Vozes a sussurrar, entre as forças da vida,

Elevando-se a Deus em forma de oração.

 

Dizia a Luz, do Cimo Resplendente:

- Pai da Eterna Bondade,

Sinto a luta abismal das vastidões soturnas,

Trago em mim o clamor dos que gemem

Nas furnas...

Do sereno esplendor da altura a que me levas,

Envia-me, Senhor, a dissipar as trevas!...

 

O Vento anunciou, traspassando a ramagem:

- Deus da Piedade Imensa,

Vejo, ao longe, a aflição de enorme caravana,

Encharcada de pó na canícula insana...

Envia-me, Senhor, a envolve-la, de perto,

Desejo amenizar o calor do deserto.

 

A Fonte murmurou, no ápice de um monte:

- Pai de Infinito Amor,

Dói-me fitar no solo aspereza e secura

Comunicando fogo à lavoura insegura...

Envia-me, Senhor, dos cárceres da serra,

Para descer ao vale e defender a terra...

 

A Pedra suplicou, de elevada montanha:

- Pai de Misericórdia,

Observo, da rocha a que me agarro,

Homens construindo, em vão, sobre

Leitos de barro...

Comove-me anotar tanto esforço infecundo,

Envia-me, Senhor, a cooperar no mundo!...

 

A Árvore pedia

Para seguir além, nos próprios frutos,

De maneira a servir, dia por dia,

Tanto à fome dos bons, quanto à gana dos brutos...

 

Sentindo em si que toda a Natureza

Era um hino ao trabalho,

Entretecendo paz, alegria e agasalho,

A consumir-se em preces de louvor,

O pobre homem que desanimara

Sentiu sede de agir e transformar-se

Em centelha de amor...

Então, voltou à fé, alçando a fronte,

E, contemplando os Céus, de horizonte

a horizonte,

Gritou forte e feliz: Envia-me, Senhor!...

 

 


Dom de Deus

Maria Dolores

 

Alguém, um dia,

Perguntou a Michelangelo

Enquanto ele esculpia:

 

- Senhor, por que razão

Martelar, martelar

Esta pedra indefesa?

Não seria mais justo

Deixa-la em paz

No coração da natureza?

 

O escultor, entretanto,

Respondeu simplesmente,

Sem alterar a voz:

- Um anjo mora preso

Neste bloco maciço

E tenho o compromisso

De traze-lo até nós.

 

E batendo e cortando,

Aresta sobre aresta,

Aparando e brunindo

O mármore que entesta,

Vê, afinal, o instante

Em que ele próprio exulta...

 

A obra-prima que jazia oculta

Aparece, soberana:

É um anjo que sorri quase que em filigrana,

Uma pedra, por fim que se transforma

Com prodígios de forma,

Em requintes de luz e de beleza humana...

 

Assim também, alma querida,

Quando a dor te ameace ou te amarfanhe a vida,

Não grites maldições,

Nem fabriques labéus...

A prova é a força que te aperfeiçoa,

A dor nasce de Deus por dom profundo

Que te arranca do mundo

Para brilhar nos Céus.

 


Drama de Mulher

Maria Dolores

 

O público, no júri, ouvia atento...

 

Um moço pobremente apresentado

Era o terrível réu em julgamento.

 

Prosseguia a falar o promotor:

- Senhores do conselho de sentença

A casa da justiça é uma casa que pensa.

Certo, já conheceis

O perigoso salteador

Que temos sob a vista,

É homicida e ladrão

Quer, por vezes, passar por jovem cientista,

Furtando assinaturas,

Falsificando documentação...

Não tem vinte e seis anos de contado

E não passa de reles celerado.

Se vos escravizais à compaixão cediça,

Que será da justiça?

Representais aqui toda a comunidade,

Examinai o delinqüente,

Estudando á vontade

O processo que o mostra claramente.

E condenais sem medo,

Sem que o falso carinho vos degrade

O sentido de ordem, de defesa

Contra o império do mal

Que ameaça ferir a natureza,

De maneira fatal...

 

O silêncio pesou, na sala imensa,

Toda a assembléia escuta, extática e suspensa.

Por fim, o promotor, depois de grande pausa,

Anunciou em voz tonitroante:

- Aos senhores jurados neste instante,

Peço a condenação do réu em causa.

 

Antes, porém que o tribunal

Fosse parlamentar em confidência,

Uma senhora idosa da assistência

Extremamente pobre por sinal,

Ergue-se e diz:

 

Senhor Juiz, rogo o vosso perdão mas serei breve.

Sou eu a testemunha não ouvida,

Muito embora arrasada, ante os golpes da vida,

Eu sou a mãe do réu passível de sentença.

Há muito tempo, eu fui uma jovem simplória,

E o senhor promotor

Era um moço robusto, um jovem de talento.

Amamo-nos os dois, com redobrado ardor,

E tivemos um filho,

Fora do casamento:

- O réu que há nesta sala...

Mas, chegando a criança

Ele me abandonou, matando-me a esperança

De um lar que nunca tive e que sempre sonhei...

Entreguei-me ao serviço

E meu filho cresceu, sem saber disso.

Fiz-me, para cria-lo, humilde lavadeira,

Sofrendo privações a vida inteira...

Dei a meu filho a escola, o sustento, o agasalho,

Mas não pude guiá-lo às bênçãos do trabalho.

Faltou-lhe o pai à vida e para dar-lhe o pão,

Passei toda a existência em dura servidão...

Nunca vendi amor, nunca fui prostituta,

Vivi de sacrifício, entre a doença e a luta...

E aquela estranha voz

Que demonstrava em si padecimento atroz,

Prosseguiu: - Excelência,

Como julgar por nós as tramas da existência?

Meu filho, o triste réu, é um pobre vagabundo,

O promotor que acusa é o pai que o pôs no mundo...

 

E acrescentou, em pranto:

- Por que Deus fez as mães para sofrerem tanto?

Por que, senhor Juiz,

Tenho um filho que adoro

Para vê-lo tão triste e desprezado,

Tão sozinho e infeliz?

 

O Silêncio caiu na sala imensa,

No promotor, a face era agora de cera,

Ninguém se levantou, nem se moveu,

Toda a comunidade emudecera...

Mas o Juiz discreto usa o lenço em que estanca

O pranto que lhe encharca a longa barba branca...

E homem de consciência limpa e nobre coração

Muito embora chorasse,

Mostrando a imensa dor que lhe cobria a face,

Declarou desejar a revisão

Do processo, de todo, ainda não julgado,

Depois, ergueu-se trêmulo, cansado,

E adiou a sessão.

 

 


Estudo no Lar

Maria Dolores

 

Indagas, muitas vezes, de alma aflita,

Onde, na Terra, a fórmula bendita

De conquistar a paz, nas trilhas do dever;

Entretanto, no mundo, alma querida,

Tudo aquilo que nutre ou que engrandece a vida

É trabalho do bem que procura esquecer.

 

Ninguém pode olvidar as instruções das cousas,

Fita o abrigo doméstico onde pousas

Num momento qualquer de silêncio ou lazer;

Do piso ao teto ou do alimento à mesa,

Pensa nas transformações da natureza,

Que te apóiam no lar, procurando esquecer.

 

As pedras do alicerce que se esconde,

Não te pedem aplauso e nem te explicam onde

Quereriam, por si, permanecer;

Aceitam suportar-te a casa, instante a instante,

Lembrando humildes mãos, reguardando

um gigante,

Esquecidas no chão, procurando esquecer.

 

A porta que te guarda a segurança,

Seja em madeira ou não, jamais se cansa

De amparar-te, gastar-se e obedecer;

Água corrente e limpa em teu próprio aposento,

Praticando humildade e ajudando, a contento,

É a fonte que se dá procurando esquecer.

 

A lâmpada a teu lado, o armário, o leito amigo,

O livro que conserva a sós contigo,

Doando-te consolo e ensinando-te a ver,

A roupa que te veste, o pranto firme e atento,

- Isso tudo é valor em movimento,

Agindo em teu favor, procurando esquecer.

 

Assim também, no mundo, alma querida e boa,

Para reter a paz, ama, luta e abençoa...

Não te doa ajudar, nem te importe sofrer...

Dores e inquietações? Alegra-te ao vence-las,

Do sub-solo ao chão e do chão às estrelas,

Deus nos pede servir, trabalhar e esquecer.


Lema da Felicidade

Maria Dolores

 

Alma querida, escuta

Quando a tribulação te agrave a luta,

Flagelando-te o ser

Tanto quanto desejas elevar-te,

Recorda a Lei de Deus, em toda parte:

- Trabalhar e esquecer.

 

Não te agrilhoes a nuvens do passado,

Nem te aflijas pensando no porvir,

De esperança a bilhar no coração contente,

Renova-te e confia alegremente

No privilégio de servir.

 

Contempla, dos caminhos em que pousas,

No amálgama das vidas e das cousas:

Todos os elementos que te apóiam,

Do Mundo Conhecido ao Mais Além,

Guardam consigo apenas,

A fim de que o progresso sobrenade,

Aquilo que lhes dê continuidade

No trabalho do bem.

 

O astro do dia, a refulgir no tempo,

Quanta vez terá visto sobre a Terra,

Povos e gerações, servos e reis,

Templos e tribunais, ordens e leis,

Nas florações da paz ou nas cinzas da guerra!...

Observa, porém, que o Sol não fala disso

E, ainda hoje e sempre, a resguardar-nos,

Permanece em serviço.

 

O chão silencioso não confessa

Quanta vez engoliu detritos agressores,

Sabemos tão-somente que responde,

Onde o lixo, às ocultas, se lhe esconde

Com braçadas de flores.

 

Fertilizando a vida,

A fonte deixa o lodo e tudo olvida,

Para ser água, enfim, clara e singela;

A argila sofre o fogo que a transforma,

Tudo esquece, ganhando nova forma,

Em porcelana rendilhada e bela!...

 

Assim também, alma querida e boa,

Não reclames, perdoa,

E nem exijas, ama!

Se aspiras a encontrar as Alturas do Bem,

No anseio por mais luz que te mantém,

Auxilia e constrói algo mais que o dever,

Porquanto, o lema da felicidade,

Sem que a dor nos deprima ou a queda nos degrade,

Será sempre servir, trabalhar e esquecer.

 

 


Lembrança de Coragem

Maria Dolores

 

Entre as lutas da existência,

Quando a estrada te pareça

Um campo de sombra espessa,

Sob tormenta a rugir,

Não temas, segue adiante,

Cumpre os encargos que levas,

Lembra que a luz rompe as trevas,

Descortinando o porvir,

 

Nesses instantes amargos,

Por maior a dor terrena,

Guarda a fé que te asserena,

Não te lastimes em vão...

Nasce a rosa no espinheiro,

A estrela é glória noturna,

O ouro emerge da furna,

A fonte serve no chão...

 

Não pares, nem contes mágoas,

Dor que te fere ou te isola,

É sempre aula na escola

Que o Céu te pede transpor...

Prossegue amando e servindo,

Ao término da jornada,

Faz-se a noite madrugada

No dia do Eterno Amor.

 

 


Meia Hora

Maria Dolores

 

Ante a passagem do tempo,

Registra o valor do “agora”

Na bênção de meia hora,

Quanto bem a realizar!

Trinta minutos apenas

No espaço de cada dia

São plantações de alegria

Para quem busca ajudar.

 

Agora é a voz da coragem

Ao irmão que chora e luta,

Coração que pensa e escuta,

Podando aflição e dor!...

Em outro ensejo, é o socorro,

Que se oferece à criança,

Que vaga sem esperança,

A míngua de paz e amor.

 

Depois, o amparo ao doente

Em visita mesmo breve,

A página que se escreve

Para consolo de alguém!

O apontamento otimista,

A frase sincera e boa,

A conversa que abençoa,

A prece em louvor do bem!...

 

Meia hora – patrimônio,

De expressão indefinida,

Que o Céu nos concede à vida,

A todos, crentes e ateus!...

Irmãos, elevai o tempo,

Para o serviço fecundo,

Tempo é tesouro no mundo

Que verte do amor de Deus.

 

 


Mensagem da Paz

Maria Dolores

 

Às vezes, cismas, coração amigo,

Como varar a treva, a cilada e o perigo,

Fazendo luz no próprio ser...

Das perguntas que fiz, onde a aflição me encosta,

- Esquecer, esquecer...

 

Perguntei à roseira, aberta em pétalas e cores,

Como agüenta espinhos, produzindo flores

Por ofício e dever...

Balançando a folhagem viridente,

A roseira me disse simplesmente

- Esquecer, esquecer...

 

Indaguei do diamante burilado

Que lâmina lhe dera a forma de bordado,

Por estrela a esplender...

E a pedra, recordando lágrima perdida,

Respondeu, como quem louvasse o sofrimento e a vida:

- Esquecer, esquecer...

 

Inquiri da mulher pela maternidade,

Como criar um filho e dá-lo à Humanidade,

Amando intensamente, a chorar e a sofrer...

Comentando o progresso e o mundo,

Em novo brilho,

Ela disse, beijando as mãos do próprio filho:

- Esquecer, esquecer

 

Desse modo, também, alma fraterna e boa,

Se buscas elevar-te, esquece-te e abençoa,

Não fujas à lição, se queres aprender...

Serve e conquistarás o reino do amor puro,

Ouvindo a voz do Céu, chamando-te ao futuro:

- Esquecer, esquecer...

 

 


Mensagem da Terra

Maria Dolores

 

O Homem que esmorecera no trabalho;

Deitando-se no chão por rebeldia,

Ao sentir-se infeliz e descontente,

De ouvido rente ao solo,

Escutou, de repente,

As palavras que a Terra lhe dizia: -

 

- Sou tua mãe, a Terra! ... Ergue-te e anda!...

Não te magoes, meu filho, contra a vida,

Tudo o que Deus nos manda

É luz que aperfeiçoa...

A dor vem dessa luz que nos convida

Ao trabalho do bem que não se cansa

De criar a alegria e gerar a esperança...

Levanta-te, caminha, ama, serve e perdoa!...

 

Fita-me a pele desolada,

Fiquei ferida assim, ante os golpes da enxada,

Para que tenhas pão à mesa!...

 

Sofrer para ajudar é lei da Natureza!...

 

Deus pede que eu responda à injúria dos tratores,

Mais frutos produzindo, em braçadas de flores...

A quem me atire lama, lodo ou estrume

O Senhor determina

Que eu forneça mais verde e mais perfume,

Porque, segundo as leis da Bondade Divina,

De tudo quanto existe, o amor somente

É valor permanente

Do verme que se oculta em baixo nível,

A estrela que parece inatingível!...

 

Embora eu tenha o Céu por segurança e escolta,

Tenho milhões de filhos em revolta

E, às vezes, eles mesmos se exterminam

Em conflitos sangrentos,

Mas nunca sabem de meus sofrimentos,

Porque, sou mãe vivendo aos sóis no Espaço,

E a todos acalento em meu regaço.

 

Deus é Pai que jamais, amaldiçoa,

Por isso, filho meu, ama, serve e perdoa!...

 

Um dia, ao ver o mal a envolver-me de todo,

Em torrentes de ódio, sangue e lodo,

Supliquei ao Criador nos mandasse mais luz

E o Céu nos enviou o ensino de Jesus!...

 

Jesus veio e entreabriu-se nova aurora,

Amou e fez de si divina doação,

E muito embora

Muita gente buscasse a redenção

É preciso dizer que, até agora,

Quase que ninguém quis

Receber de Jesus o dom de ser feliz.

 

Notando o orgulho a dominar o mundo,

Nas guerras sem razão sob o ódio iracundo,

Pisando, desprezando ou destruindo,

Tudo aquilo que fiz de mais puro e mais lindo,

Derramo, às vezes, lágrimas ardentes...

 

O vulcão é meu choro em lavas comburentes!...

 

Nunca roguei, porém, compensações nem mimos.

 

Guarda a fé, filho meu, contempla de altos cimos,

No firmamento azul que nos recobre

A divina grandeza do porvir,

Porque o trabalho, em si, não é triste, nem pobre...

E todos viveremos

Nos triunfos supremos

Do privilégio de servir!...

 

Desperta, filho meu, ergue-te e vem,

Trabalhemos com Deus na Seara do Bem!...

 

E o homem deslumbrado,

Levantou-se do chão que atravessara a esmo...

 

- “Servirei, servirei!...” – prometeu a si mesmo.

 

Ao erguer-se, sentiu a vida em torno...

Não longe, alguém guardava o pão no forno...

Enxergou renovado,

Árvores, animais, lavradores cantando,

As flores se entreabrindo e as abelhas em bando...

 

Depois, em oração que a fé viva descerra,

Gritou alçando ao Alto os braços seus:

- “Louvado seja Deus!

Ouvi a voz da Terra,

Obrigado, meu Deus!...”

 

 


Mensagem da Vida

Maria Dolores

 

Perguntas, muitas vezes, de alma dolorida,

Ante as tribulações e os empeços da vida,

Que caminho tomar...

E surge tanta dor, sem que percebas de onde,

Que ouves somente a fé que te apóia e responde:

Trabalhar, trabalhar...

 

Entretanto, não chores, nem te aflijas,

A senda do progresso é de calçadas rijas,

Duras de atravessar.

Esquece-te, prossegue e ouvirás com certeza

A mensagem de luz da natureza:

Trabalhar, trabalhar...

 

Fita o machado bronco e o mato inculto,

Cada golpe no campo lembra insulto

Mas, no mesmo lugar,

O lavrador amigo e diligente

Traz ao solo o convite da semente:

Trabalhar, trabalhar...

 

Dizem que toda fonte estimaria

Viver centralizada na harmonia

Da nascente a sonhar,

No entanto, a lei lhe pede olvidar-se, de todo.

E ela corre cantando, ao varar pedra e lodo:

Trabalhar, trabalhar...

 

Tudo seria mágoa e tristeza no mundo,

Se a vida persistisse em descanso infecundo,

Dramatizando treva, amargura, pesar...

Por isso, cada noite espera novo dia

E o Sol brada no Azul a canção da alegria:

Trabalhar, trabalhar...

 

Assim também, alma querida, escuta:

Quem se consagra ao bem, quem constrói

e quem luta,

Procurando o melhor a servir e esperar,

Bendiz todas as provas, ao vence-las,

Ouvindo a voz dos Céus, através das estrelas:

Trabalhar, trabalhar...


Mensagem de Mais Alto

Maria Dolores

 

Ao Espírito Sábio que encontrara

Nas Alturas Imensas,

Porque me perguntara

Se vinha para a Terra,

Dei a resposta, afirmativamente,

E indaguei, reverente,

Se ele algo queria que eu fizesse

Algum aviso, alguma prece,

Algum recado salvador...

 

Mas aquele Celeste Mensageiro

Fitou, ao longe, as paisagens terrenas

Abraçou-me, fraterno e disse apenas:

 

- Se vais de novo ao mundo,

Dize aos nossos irmãos

Para unirem as mãos

No serviço do bem.

Irmã Dolores, vai! Onde encontres problemas,

Fala em Jesus e nada temas.

Onde escutes a voz que amaldiçoa,

Pronuncia com Cristo a frase que perdoa...

Dize aos nossos irmãos que o ódio tudo atrasa,

 

Quando nos empenhamos à melhora,

Impondo a nós, em nossa própria casa,

Em formas diferentes,

Pela reencarnação,

Inimigos ousados e doentes,

Aos quais não desculpamos noutras eras...

Recorda aos companheiros ofendidos

Que mais vale chorar, com feridas abertas

Que alardear poder ao pé dos agressores

Que passam sobre a Terra, esmagando os vencidos

Nas estradas incertas,

Se alguém clama que sofre

Não vaciles dizer

Que mais vale agüentar e padecer

Pedrada, provação, calúnia e insulto,

Qualquer espécie de suplício oculto

Que condenar alguém,

Porque a Justiça nasce Mais Além

E tudo acertará, de segundo a segundo,

Sem que ninguém precise

Aumentar no caminho as tristezas do mundo...

Onde encontres o espinho da amargura

Fala em trabalho, a força da esperança,

Que olvida o lodo e fita, além, na Altura,

A presença de Deus no Sol que não descansa

E ampara a qualquer um sem deter-se no mal...

Vai, Dolores, e dize a toda angústia humana,

Que a vida, além da morte, brilha soberana,

Sempre justa e sublime, amorosa e imortal.

Nisso, desci à Terra, entre os amigos,

A fim de repetir, repleta de alegria,

Alma irmã, prossigamos, dia a dia,

Pela fé viva e ardente caminhemos,

Procurando servir e compreender

Como simples dever,

Porque nos Paramos Supremos,

Alguém nos vê, alguém nos fala e vela,

Para que a nossa estrada

Venha a ser cada vez mais brilhante e mais bela,

E que, um dia, por fim, a nossa própria dor

Há de se converter em divina alvorada,

Entre a bênção da Paz e a grandeza do Amor.

 

 


Mensagem do Pântano

Maria Dolores

 

Estaquei para ver, à margem do caminho,

O pântano esquecido,

Que ali me recordava um mendigo tristonho,

Paralizado à força, entre a penúria e o sonho.

 

Aqui e ali, a relva florescente,

Além, jequitibás de braços estendidos

Para as aves em festa...

 

Não longe, começava o mundo da floresta.

 

Fitando a água parada,

Ampliando no chão a cratera barrenta

Ou a ferida sangrenta,

A deprimir a estrada,

Indagava de mim: - “Por que haveria,

Um quadro assim na gleba desolada,

Em meio à tanta terra, esbanjando beleza,

Um pedaço de dor e de agonia,

Humilhando o esplendor da natureza?”

 

Foi quando o charco, então, me respondeu:

- “Ouve-me, coração! Houve tempo em que eu

Também, fui uma parte do jardim,

Que encontras neste bosque,

Um refúgio de paz, parecendo sem fim...

Mas aquele a quem Deus entregou este campo

Para ajudar, criar, erguer e produzir,

Ante a preparação do futuro melhor,

Nunca me viu chorando, em derredor

Da mata que trabalha em favor do porvir;

Talvez por distração ou por zelo no ganho,

Não pensa que eu exista em suplício tamanho...

Na posição mais baixa em que vim a nascer,

Tive de resguardar na intimidade

Enxurrada e detrito

Como quem sonha e chora em pesado conflito;

Moscas depositaram vermes em meu rosto,

Tornei-me, assim, um vaso descomposto,

Um recanto enfermiço;

Não encontro ninguém que me estenda socorro,

Para que eu também tenha um ponto de serviço.

Deus que não desampara cousa alguma

Deu-me algum verde... O verde que me alcança,

A fim de que eu não perca o resto da esperança.

Para que o homem note a penúria em que vivo,

Deu-me plantas que agüentam minha dor,

Que, às vezes, me recobrem de perfume,

Em camadas de flor,

E ajudando-me em tudo,

Manda que a vida espalhe em meus barrancos

Lençóis e mais lençóis de lírios brancos,

Como a dizer aos homens que eu também,

Quero aprender pureza e praticar o bem.

Escuta-me! Entretanto,

Muito de raro em raro,

Passa alguém por aqui a registrar-me o pranto

De pleno desamparo,

E muita gente crê

Que o Céu me fez por terra envilecida,

A fim de envenenar a grandeza da vida.

Onde está quem me possa libertar

Das algemas de lama,

Dos vermes que me empestam todo o ar,

Da morte que me arrasa,

Doando-me, por fim,

A minha condição de solo ou de jardim,

Capaz de ser o enfeite o brilho de uma casa?”

 

Depois de ouvir o pântano, pensei:

Quantos irmãos fora da lei,

Quanta gente sem paz a que se arrime,

Entregue à ignorância e à dor, à treva e ao crime,

Por falta de atenção!...

Então, pedi a Deus nos dê mais união,

Mais trabalho e mais fé,

Mais solidariedade e mais suor,

Paz e compreensão,

A fim de cultivar, no próprio coração,

A benção de servir na seara do amor!

 

 


Nota de Fé

Maria Dolores

 

Em qualquer fase da vida,

Quando a prova te apareça,

Tempestade ou mágoa espessa

Ao peso de férrea cruz,

Recorda que o Céu te envia

Mais amparo do que pensas,

Mesmo nas trevas mais densas,

Deus te acende nova luz.

 

Conflitos, problemas, lutas,

Nas sendas por onde vamos,

São lições que precisamos,

A fim de saber servir;

Não há desprezo ante os Céus,

Olha o charco que se enflora,

Pensa na noite e na aurora

E guarda a fé no porvir.

 

Sofrimento é igual à nuvem...

Estrondo, fúria, ameaça...

Depois... é chuva que passa,

Frutos ganhando apogeus;

Se hoje sofres, não te esqueças,

Que amanhã, no Espaço Infindo,

O dia virá mais lindo,

Brilhando no amor de Deus.

 

 


Notícias de Deus

Maria Dolores

 

Vimos a Caridade,

Um anjo a visitar antiga furna...

Irradiava amor

E, dissipando, em torno, a escuridão noturna,

Fitava o Céu, dizendo ao Supremo Senhor!

 

- Agradeço, meu Deus, as almas escondidas,

No espinheiral do sofrimento

Que me deste a zelar,

Os corações sem sol, as derradeiras vidas

Nas fileiras da prova, aos arrancos do vento,

Que avançam sem destino, à distância do lar!...

 

Agradeço o trabalho entre os irmãos do mundo,

Que endereças-te a mim, quando rolaram fundo

Nos precipícios da desilusão...

Porque aprendo com eles quando dói,

A loucura da inércia que destrói

Tudo o que prestigia o coração!...

 

Agradeço os enfermos das calçadas,

As mães sozinhas e desamparadas,

Em constante aflição para sobreviver,

As crianças sem rumo e os pedintes sem nome,

A imensa multidão que a penúria consome,

Para a qual a existência é sempre o anoitecer...

 

Agradeço-te, oh! Pai, os braços de carinho

Que me puseste no caminho,

Que se olvidam no bem – no bem que não se cansa –

Que me apóiam a luta dia-a-dia,

Transformando-se em luz para a noite sombria

Em que devo espalhar reconforto e esperança...

 

Sê louvado, meu Deus, pelos talentos nobres

Da Ciência e da Arte em que te cobres

Para que o mundo cinja o esplendor estelar!...

Mas perante a ampliação da Grandeza Celeste,

Sê bendito, Senhor, porque me deste

A dor da Terra para minorar!...

 

Nisso, ouvimos alguém de próxima choupana...

Era triste mulher na cruz da prova humana,

A suplicar, em prece, alívio e proteção!...

Calou-se a Caridade e abeirando-se dela,

Envolveu a doente em luz serena e bela,

Dando-lhe paz e fé nas bênçãos da oração...

 

De imediato,

A dor fez-se esquecida

E entendemos então

Com reverência enternecida,

- Nós que também buscamos

Apoio em devotados cireneus,

Que a Caridade é sempre em nossa vida,

A notícia real da presença de Deus.

 

 


Obreiros de Deus

Maria Dolores

 

Escuta, alma querida,

Se a força que orienta as construções da vida

Resolveu entregar-te

A comunicação do bem e da cultura

Pelos caminhos da arte,

Por maior seja a dor que te renova e apura,

Nunca te desanimes

No alto ministério em que te pões,

Sê fiel à missão em que te exprimes,

Criando e recriando gerações.

 

Mesmo de coração amarfanhado,

Perante o mundo desatento,

Não desistas da luta que te alcança,

Em amassando, a trigo de esperança,

O pão do pensamento.

 

Entre a imortalidade e as visões da beleza,

Contempla o mundo à frente,

Pensa no plano artístico esplendente

Em que se fundamenta a Natureza.

 

Onde o verde se alonga, anota nos caminhos

Aves lembrando intérpretes de sonhos

E equipes orquestrais nos troncos e nos ninhos.

 

Quando a tarde aparece sobre os campos

E a sombra se desata,

Fita a erva a surgir sob adornos de prata

Feitos na tênue luz dos pirilampos.

 

Vejamos nos jardins:

Cravos recordam belos arlequins

Dançando ao sol e ao vento,

Enquanto sob o azul do firmamento,

Quase concretizando músicas divinas,

No tecido aromal que os entretece,

Os lírios são pierrôs filosofando em prece

E as rosas são alegres colombinas.

 

Quando as nuvens no Espaço

Lançam granizos e clamores,

Em raios e trovões ameaçadores

Nos golpes da tormenta,

De estrondo a estrondo e estilhaço a estilhaço,

É uma tragédia que se representa.

 

Sem que as distâncias possam esconde-las

Quando a treva noturna tudo invade,

Olha o bailado e as luzes das estrelas

Com notícias dos Céus na Imensidade!...

 

Assim também, alma querida,

Cumpre a missão que te engrandece a vida,

Educa, eleva, ampara, serve e ama...

Arte é divina chama,

Realeza sem plebeus,

E artistas que se dão ao trabalho fecundo

De aliviar a dor e melhorar o mundo

São obreiros da paz com mensagens de Deus.

 

 


Ofensores

Maria Dolores

 

À frente do dia-a-dia,

Não olvides, alma boa,

Se alguém te fere, perdoa,

Na lutas que vêm e vão;

Resguarda-te em paz no mundo,

Ofensa, às vezes, na vida,

Vem da lágrima escondida,

Sob a forma de agressão.

 

Nas áreas do pensamento,

Sem queixas e sem consultas,

Existem dores ocultas,

Estradas que ninguém vê;

Vemos certos ofensores

Que espalham pedras em bando

Trazendo o peito sangrando...

Só eles sabem porque...

 

Esse carrega consigo

Enfermidade obscura,

Outro guarda a desventura

De uma afeição infeliz;

Outro deseja esquecer

A rebeldia tenaz,

Mas já não sabe o que faz

E nem pondera o que diz.

 

Outro surge em doce face,

Por vezes é quem mais amas,

Traz, por dentro, o peito em chamas,

Embora disfarce a dor;

A pessoa que te agride

É sempre, quando reponte,

Deserto pedindo fonte,

Angústia esmolando amor.

 

Também nós, além do mundo

Buscando as Luzes Supremas,

Atravessamos problemas,

Exames de amor e paz;

Alma querida, o ofensor,

Nas sendas de cada dia,

É um teste que Deus te envia

Para saber como estás.

 

 


Oração por Humildade

Maria Dolores

 

Senhor Jesus!

Quando eu voltar à Terra

E estiver de memória parcial,

Qual o doente sob anestesia

Para sofrer bendita cirurgia

Que me livre do mal,

Não me deixes, a sós, em meu passo imaturo...

 

A fim de construir

O meu próprio futuro

Não permitas, Senhor, que eu siga, às tonta,

Como quem sabe dirigir as próprias contas.

 

Embora reconheça a lei de liberdade

Se posso procurar o que te contraria,

Não me deixes fazer aquilo que me agrade.

Apaga em mim a vocação do mando,

E ensina-me, Senhor, a obedecer,

Ajuda-me a encontrar,

Onde estiver vivendo ou trabalhando,

O prazer de servir

Como simples dever.

 

Se eu te pedir felicidade,

Nos erros e ilusões que outrora quis,

Não me faças feliz.

 

Se te requisitar destaque e brilho

Para comportamento frio e ingrato,

Não me tires ao chão do anonimato.

 

Se eu te solicitar um corpo lindo

Para voltar, na sombra, à estaca zero,

Não me deixes viver na forma que mais quero,

Se te implorar dedicações

Para desorientar-me novamente,

Deixa-me a solidão por mestra permanente.

 

Caso anseie por vida emancipada

Para menosprezar encargo e compromisso,

Acorrenta-me os pés ao campo do serviço.

 

Se te rogar facilidades

Fora das bênçãos com que me renovas,

Guarda-me, sem cessar, no cárcere das provas.

 

Perdoa-me, Senhor, se peço tanto,

É que somente agora me levanto

Nos dons com que me elevas...

 

Tantas vezes, no mundo, fiz-me grande

E subi, tanta vez, para cair nas trevas!

 

Agora que te escuto, em toda parte,

A convidar-me para a Luz Divina,

Ouve Jesus!...

Anseio acompanhar-te,

Quero ser pequenina.

 

 


Palavras da Fé

Maria Dolores

 

Nunca te dês por inútil,

Mesmo em ação de alto nível,

Não afirmes: “impossível”,

Nem te digas sem valor,

Deus em ti é a própria vida,

Mantendo-te, instante a instante,

Em doação incessante,

Por fonte viva de amor.

 

Não és um astro, no entanto,

Tens a força estranha e bela

De acender a luz da vela,

Dissipando a escuridão.

Não inventaste a semente,

Nem a romã cetinosa,

Não sabes tecer a rosa,

Mas podes assar o pão.

 

Não fulguras qual brilhante

Nem tens a força do vento

Em redemoinho violento,

Quando ruge a destruir;

Mas tens o conhecimento

De quem guia a natureza,

Exterminando a tristeza,

No dom de fazer sorrir.

 

Não esmoreças no mundo,

Trabalha, ajuda, esclarece,

Tens o verbo, a voz, a prece,

São sem conta os dotes teus;

Ampara, acalma e perdoa,

Qualquer migalha do bem

Na Terra e no Mais Além,

É benção do amor de Deus.

 

 


Para Melhor Servir

Maria Dolores

 

Diz a lenda que, um dia,

Abandonada sob a terra fria,

A semente cansada

Perguntou ao Senhor:

-“Por que me vejo a sós, morrendo sufocada

Como quem deve estar sob lodo e pancada,

Afinal, que fiz eu?

 

Entretanto, o Senhor não respondeu...

 

Mas, depois de algum tempo,

Ao solo que se enfresta,

Maravilhosamente transformada

Em ramo, aroma,flor e fruto,

Orgulhou-se de ter

Por privilégio e por dever

O encargo de ser pão na mesa de festa

E tocada de vida superior,

Agradeceu a Deus em preces de louvor

Conta-nos outra lenda

Que uma ovelha esquecida em remota fazenda

Gritou ao céu na hora da tosquia:

-“Por que me expõe à ventania,

Nesta nudez tamanha?...

Olha a rude tesoura  que me apanha...

Afinal, que fiz eu?

 

O Céu, no entanto,nada respondeu...

 

Mas, depois de alguns dias,

Encontro a criança

Que lhe vestia

A lã, sorrindo de esperança,

Alegrou-se anotando o seu próprio trabalho,

Sustentando o calor e doando agasalho

Em auxílio de alguém!...

E agradeceu à vida

A elevada missão de que fora incumbida

Pela fonte do bem!...

 

Assim também, alma querida e boa,

 

Quando a dor te transforme o coração em chama

De sofrimento a requeimar-te o peito,

Não reclames, perdoa,

E nem perguntes, ama!...

De todo golpe humildemente aceito

Deus fará, nascedouro alto e fecundo

De paz, felicidade,ensino e elevação

Que se façam degraus de perfeição

Pelos quais o Céu desça e felicite o mundo!...

 

Aprendemos a dar o teto, a escola,

O prato, a veste e a luz que asserena e consola

Onde a penúria geme e onde a sombra se avulta,

De vez que só retemos o que damos,

Entretanto, jamais no esqueçamos

Daquela caridade doce e oculta,

Quanta vez desprezada e incompreendida,

Que trabalha e se esquece

A fim de sustentar as construções da vida!...

Porque somente o amor incontroverso,

A sofrer e a calar para melhor servir,

É o centro de equilíbrio do Universo,

O apoio do presente e a força do porvir.

 

 


Petição em Serviço

Maria Dolores

 

Senhor!

Tu nos disseste:

- “Ide e falai ao mundo

Do amor, do excelso amor, no Lar Celeste,

E dizei

Da bondade da Lei

Que a todos nos governa,

No curso da jornada, dia-a-dia,

Para a perpetuidade da alegria,

Em plenitude de grandeza eterna!...

 

Ouvi os teus ensinos

E, largando o repouso, a dúvida, o marasmo,

Esfuziante de entusiasmo,

Pus-me a espalhar a Boa Nova,

Como se contemplasse o Céu, dentro de mim!...

 

Minha vida era um sonho,

A Terra era um jardim...

Depois, Senhor, andei de prova em prova,

Para expor-te a presença,

Então pude notar a diferença

Entre palavra e ação!...

Conhecendo aspereza, angústia, tentação,

Quantas vezes caí, à beira do caminho,

De alma cansada e coração sozinho,

Lutando por erguer-me e continuar...

 

De queda a queda, em que me debatia

Era preciso atravessar

Tempestades de sombra e de agonia

Para sobreviver

Entre o sol da esperança e o suor do dever!...

É por isto, Senhor,

Que te venho rogar ardentemente,

Não me deixes seguir,

Entre os irmãos da frente

Que se mostram capazes

De transmitir ao mundo os prodígios

que fazes!...

 

Torna-me pequenina,

Servidora sem nome,

Resguardada, porém, na Bondade Divina!...

 

Amorável Jesus,

Senhor da Excelsa Vinha

Da Verdade e da Luz,

Deixa, por fim, que eu seja,

No ideal de servir a que me elevas,

Um pobre e diminuto pirilampo,

Mas que eu viva e trabalhe no teu campo,

Persistindo em lutar contra a força das trevas!...

 

 


Por mais Luz

Maria Dolores

 

Indagas, muita vez, ao mundo em derredor,

Que fazer por mais luz, ante a Vida Maior,

Pensando no esplendor do Eterno Lar...

E a repeti-la sempre, eis que a vida te diz

Uma palavra só para seres feliz:

- Perdoar, perdoar...

 

Para que o homem viva em altos cimos,

Na cúpula dos bens que usufruímos,

Desenvolvendo o dom de pesquisar,

Perdão, em si, é a própria lei da vida,

Tudo te roga, em torno, alma querida:

- Perdoar, perdoar...

 

O chão perdoa a lâmina violenta,

A fim de produzir o pão que te alimenta

Na lavoura a brilhar...

Na madeira de casa, algum machado bronco

Escutou na floresta o grito de algum tronco:

- Perdoar, perdoar...

 

O grão que móes para formar um bolo,

A lenha que te aquece e te oferta consolo

No lume a crepitar:

Do topo da montanha ao poço mais profundo,

Tudo te ensina sempre, a repetir no mundo:

- Perdoar, perdoar...

 

Desse modo, igualmente, alma querida e bela,

Da existência nobre à vida mais singela,

Quase ninguém caminha sem errar...

Ofensas e agressões? É preciso esquece-las.

Por mais luz pede o Céu, acendendo as estrelas:

- Perdoar, perdoar...

 

 


Reencontro no Além

Maria Dolores

 

Vagueava no Espaço a pobre mãe suicida,

Apagara, a veneno, a luz da própria vida

Tentando reencontrar o filho que perdera

Em tóxicos letais,

Saudade, ânsia, aflição...

Não suportara mais.

E espírito da sombra, em lágrimas vagueia,

Entre a cegueira e a dor na angústia que a estonteia.

 

Dias, semanas, meses na loucura

Atravessara, atribulada e errante,

O império do remorso, ante a sombra gigante,

Sem confiança em Deus, infeliz e insegura,

A bradar o estribilho:

- Ah! meu filho, meu filho!...

Até que atormentada, louca e cega

Tateando no Além, eis que se apega

A desditoso irmão, também desorientado,

Que lastimava, em choro, os erros do passado...

Depois de ouvir-lhe os gritos,

O pobre respondeu:

 

- A senhora clamando é mais feliz do que eu,

Seu coração procura um filho muito amado,

Quanto a mim... quanto a mim,

Quero esquecer a mãe que tive no passado,

Que me repôs aqui, neste inferno sem fim...

 

E o pobre continuou, desalentado:

 

Saí daqui, um dia, a fim de melhorar-me,

Ela me recolheu nos braços com carinho...

Vestiu-me e festejou a júbilos e alarme,

O berço em que eu nascia...

A princípio, embalou-me em canções de alegria,

Entretanto, depois,

Na vida mais profunda entre nós dois,

Segregou-me no mundo, em egoísmo atroz,

Para ela, por fim, na ilusão que levava,

A terra éramos nós, o amor somente nós...

Criou-me escravo dela e fez-me minha escrava,

Afastou-me de tudo quanto fosse inquietação ou prova,

Em que me caberia

Acender, dentro em mim, a luz de vida nova.

Transformou-me a existência em longa fantasia

Para que eu fosse,

Desde o a b c da escola,

Um gênio de artimanhas,

Um moço de aventuras e façanhas,

Mas nunca um aprendiz

Que fosse no futuro um homem reto e feliz.

Quando atingi a plena juventude,

Contratou-me instrutores,

Que me ensinassem força, ação, elegância e beleza,

A fim de que, na forma, eu dominasse

Todos os contendores,

Fortes também por leis da natureza...

Deveria, por fim, ver todos muito abaixo,

A minha pobre mãe exigia e exigia

Que eu demonstrasse, em tudo, a excelência de um macho...

Depois, no entanto, veio a derrocada,

O tóxico apanhou-me a preguiça dourada...

Minha mãe jamais quis ensinar-me a sofrer,

Não quis que eu trabalhasse ou prezasse um dever...

Conheci a maldade e os impulsos medonhos

E a morte prematura, arrasando-me os sonhos...

De útil ou de bom nada tenho e nem fiz,

Sou agora, onde estou, um espírito infeliz!...

 

Ao escutar-lhe a voz e ao conhecer-lhe o nome,

Cai a pobre mulher na angústia que a consome;

Chama o desventurado e arrasta-se-lhe aos pés,

Avançando de bruços,

Ei-la a falar, desfeita em terríveis soluços:

- Agora compreendo...agora sei quem és...

E, em desespero, a voz grita, ante o céu sem brilho:

- Perdoa-me, meu Deus! ... Ah! meu filho, meu filho! ...

 

 


Regra de Luz

Maria Dolores

 

Se alguma prova te alcança,

Atende á vida, alma boa,

Ama, trabalha, perdoa,

Guardando o bem por dever;

Quando o mal te envolva os passos,

Na caminhada terrena,

Conserva, de alma serena,

A obrigação de esquecer.

 

Nota as lições que te cercam:

Ensinamento profundo

Surge nas forças do mundo,

Entrosadas como estão...

Olvidando sombra e ofensa,

A terra lembra oficina

Da tolerância que ensina

Progresso e renovação.

 

O Sol esquece que é preso

Sob os encargos que leva

E afasta a invasão da treva,

Dos Céus à cava abismal;

A planta desculpa o saque

E o homem tem casa e lume,

A rosa perdoa o estrume

E brilha no espinheiral.

 

Assim também, alma irmã,

Se buscas marchar à frente,

Com fé tranqüila e contente

Sem parar ou esmorecer,

Resguarda-te nesta regra

Para amar e construir:

- Esquecer para servir,

trabalhar para esquecer.

 

 


Rendição

Maria Dolores

 

Perdoa-me, Senhor, se estou cansada

De meus sonhos falidos,

Longe de ti, vagando, estrada a estrada,

Nas muitas quedas de meus tempos idos.

 

Jesus, se posso ainda despenhar-me

Na treva em que o passado me envolvia,

Que a tua previdência me desarme

Qualquer inclinação á rebeldia.

 

Se ainda posso afundar-me em desalinho,

Replantando ilusões pra frutos amargos,

Não me deixes a sós, nos passos do caminho,

Conserva-me no chão de meus próprios encargos.

 

Se agindo ou imaginando, estiver a ferir

Nos gestos sem razão de que ainda me valho,

Guarda-me no dever sem meios de fugir

À escravidão bendita do trabalho

 

Nas construções verbais a que me entrego

No anseio de encontrar tarefas benfazejas,

Não consintas que eu diga as sombras que carrego,

Induze-me a falar, conforme o que desejas.

 

Quando vacile ou tente desertar

Da luz bendita com que me renovas

Não me deixes sair de meu justo lugar,

Mesmo à custa de crises e de provas.

 

Despoja-me, Senhor, da sombra que me enlaça,

A minha teimosia chega ao fim,

Consente-me entender o que queres que eu faça,

Ajuda-me, Senhor, a esquecer-me de mim!...

 

 


Rogativa de Paz

Maria Dolores

 

Onde estiveres no mundo,

Não te queixes, nem te irrites,

Não há sombra sem limites,

Nem sofrimentos em vão;

Suporta com paciência

Qualquer toque de amargura,

A provação nos procura

Trazendo renovação.

 

Trabalha, serve, perdoa,

Se alguém te enlameia o nome,

Que a tolerância te tome

Por mestra de amor e luz;

Ninguém passa pela Terra,

Caminhando indiferente,

Esse luta, outro é doente,

Cada qual na própria cruz.

 

Às vezes, quem te deprime

Quem te ofende ou desprimora

Carrega chagas, embora

O lindo porte que traz;

Muita gente que parece

Felicidade e barulho,

Vício, pompa, inveja e orgulho,

É pranto pedindo paz.

 

Compadece-te e caminha

Na fé com que Deus te alcança,

Não apagues a esperança

No coração de ninguém.

Recorda que o Céu te busca

Não para ver pedra e espinho

Mas para ser no caminho

O apoio vivo do bem.

 

 


Romagem do Bem

Maria Dolores

 

Viajor, segue o caminho

Que a fé te haja proposto,

Vence o frio do desgosto

Que te gele o coração;

Se aspiras a edificar

A construção do melhor,

Vara a sombra em derredor

Nas trilhas de elevação.

 

Esquece as pedras e empeços,

Que te surjam no caminho,

Mesmo cansado e sozinho,

Sem proteção de ninguém;

Sangrem-te os pés na jornada,

Na luta que te atordoa,

Ama, auxilia e abençoa,

Nunca te afastes do bem.

 

Faze do verbo o teu facho

Da verdade e da esperança,

Entrega a luz que te alcança

Por brilho dos dias teus.

Eleva-te, busca o Alto,

Segue o dever, dia-a-dia,

E encontrarás a alegria

Da plena união com Deus.

 

 


Serve e Confia

Maria Dolores

 

Escuta, alma querida,

Se alguma provação te agita os caminhos da vida

E a jornada te cansa,

Pensa na bênção da esperança

E olha, em torno de ti, no dia-a-dia,

Das entranhas do abismo aos reinos estelares,

A Natureza em todos os lugares,

Ao entregar-se a Deus, age, serve e confia.

 

Equilibra-se o mundo, pólo a pólo,

Sem qualquer atropelo,

O verme aduba o solo,

Confiante em que o Sol há de aquece-lo.

 

A tamareira no deserto

Permanece em trabalho,

Mas no dia esfogueante, sabe ao certo,

Obedecendo a vida e servindo a contento,

Que a noite lhe trará o socorro do orvalho

Por bendito alimento.

 

Quando o tronco balança ao vento forte,

E a tempestade ruge nos caminhos,

A trovões anunciando os coriscos da morte,

As aves aconchegam-se nos ninhos,

Esperando que as nuvens tresmalhadas,

Muito além das ramadas,

Em movimentação incessante e imprecisa,

Passarão no aguaceiro turbulento

E de que a paz virá nos bálsamos da brisa

Sob o telhado azul do firmamento.

 

Pensa na história do minério bruto:

Dizem que quando preso aos flagelos do forno,

Ei-lo a emitir imprecações em torno,

A estremecer de horror, de pedaço em pedaço,

E o Céu lhe muda a forma em sublime processo,

Dele fazendo as altas vigas de aço

Assegurando a força do progresso.

 

Assim também, alma querida e boa,

Quando a prova te doa,

Não desanimes, segue e busca a frente

Porque a paz do Senhor vela constantemente

Sobre toda a Criação...

 

Por mais pesada a luta em que te vejas,

Conserva o coração

Vestido de tarefas benfazejas.

 

Entre os braços amigos da esperança,

Guarda sempre, os deveres teus e meus,

Quanto possas, trabalha, ajuda e avança,

Serve e confia em Deus.

 

 


Sinal de Deus

Maria Dolores

 

Ouvi dizer que um Sábio

Procurando caminho,

A fim de sobrepor-se aos outros seres,

Após vencer hesitações em bando,

De alma firma e disposta

Para entender a realidade,

Interpelou a vida perguntando

Se o Tempo era o maior de todos os poderes;

Mas foi o próprio Tempo

Quem lhe trouxe a resposta:

 

- “Ouve, amigo,

Na marcha em que prossigo,

Não marco a senda em vão...

Sou mudança de tudo em derredor,

Firo e restauro, exalto e obscureço,

Para que o mundo pague o preço

Da corrida ao melhor...

 

Impérios vi nascer nos milênios sem data,

Raças, povos, nações, conquistadores, reis...

Mas a vida exigiu estradas novas,

Novas realizações e novas leis

E tudo transformei com força intimorata.

 

Vi milhões de pessoas sob algemas,

Vinculadas a lutas de outras eras,

Mas apaguei as aflições extremas,

Que as faziam sofrer

Sob longas esperas...

Ódio, ambição, loucura, em tremendos conflitos,

Sombras assinalando embates infinitos

Em convulsões de guerra

Cederam-me à pressão de gradativo corte,

Porquanto o meu domínio abrange a vida e a morte

Nos caminhos da Terra.

 

Tudo segue comigo em todos os instantes

Nos meus braços gigantes,

Homens, legislações, conceitos, normas,

Renovo sem cessar no cadinho das formas...

 

Embora isso, devo confessar-te

Que algo existe mais forte, em toda parte,

Muito mais forte do que os meus impulsos;

Esse algo que fica

E que ninguém relega para trás,

Revelando beleza, luz e paz

É o bem que se pratica.

 

Tudo o que vês no mundo em ascensão,

É o bem que nasce, cresce e se alteia de nível,

Quase que atravessando as raias do impossível

Para manter a evolução...

 

Ama, serve e constrói nos encargos que levas

E serás novo sol a dissipar as trevas;

Não te prendas a mim,

De idade para idade,

Vive na caridade...

O bem é o talismã da vitória sem fim.”

 

Somente aí o Sábio compreendeu

Que o Tempo por mais forte sofre a amarra

Da energia que esbarra

Entre limitações de ciclos e museus,

E que apenas o amor sobrevive no mundo,

Por dom inalterável e profundo,

- Permanente sinal da presença de Deus.

 


Súplica de Mulher

Maria Dolores

 

E disseste Senhor: “Ide e pregai”.

Aqui estou

Para ouvir-te a palavra e dar-lhe desempenho,

Muito embora os defeitos que ainda tenho,

Para estender às criaturas

As notícias do amor de Nosso Pai...

 

Que dizer, entretanto,

Ao coração que se encharcou de pranto

Pelo extremo cansaço?

Ao companheiro que se entrega ao crime,

Sem que eu consiga desarmar-lhe o braço?

Ao homem sem apoio a que se arrime,

Vendo um filhinho enfermo,

Entre a penúria e a morte?

E ao outro que se rende a desmando profundo,

Criando chagas vivas para o mundo

Sem mão que as reconforte?

 

Que falarei, Senhor,

À criança que vaga sem amor,

Ao coração de Mãe com um filho ao colo,

A estirar-se no solo,

Em aflição tremenda,

Com febre e inanição,

Sem qualquer agasalho que as defenda,

Sem qualquer proteção?

Que palavras direi, Senhor Jesus,

Aos que andam sem luz.

E anseiam por fugir, num derradeiro aceno,

Entornando na boca a dose de veneno?

 

Que frases tecerei, Amado Amigo,

Aos que vão, em saber, entre a sombra e o perigo,

Nas trilhas da descrença

Sobre as quais se conjuga

A droga utilizada para a fuga?

Aos que caem, por fim, no desespero inglório,

Buscando apoio e luz, na paz de um sanatório?

 

Que falarei, Senhor,

Aos que perderam corações queridos

E esquadrinham na lousa

O conforto que tarda,

Procurando na cinza o que a cinza não guarda?

 

Que direi aos doentes

Que acordam sobre a mesa

De abençoada cirurgia,

Ao se verem sem mãos

Ou reclamando as pernas amputadas?

 

Que direi, meu Jesus,

Aos pais que viram mortos

Filhos queridos nas estradas

Ou nas pedras da rua,

Através de terríveis acidentes,

Sem saberem que a vida continua

Em planos diferentes?

 

Ah! sim, Jesus, já sei o que dizer...

Direi que sempre existes

E que reanimarás todos os tristes,

Que pela fé que nos alcança

Temos contigo a fonte da esperança;

Que a ninguém deixarás, de espírito sozinho,

Que nos socorrerás de caminho em caminho,

Na proteção com que nos agasalhas,

Que embora as nossas falhas,

Nós todos somos teus

Tutelados que levas para Deus!...

 

E se alguém estranhar

Seja eu a singela mensageira

A proclamar o brilho de teu nome,

Dentro da imperfeição que me consome

E nas fraquezas de que me assinalo,

Direi aos companheiros de quem falo

Dos amados amigos que me deste,

Que te espalham no mundo a Bondade Celeste,

Trabalhando e servindo, em qualquer parte,

Ao seguir-te e ao louvar-te...

 

E, quanto a mim, Senhor,

Que me entrego, de todo e sem reservas,

Ao teu apostolado redentor,

Explicarei que me conservas,

Em minha ignorância e pequenez,

Tão-só para levar,

Seja onde for,

O meu simples cartaz

Enfeitado de amor,

Entre flores de paz,

Sobre o qual escrevi

Com tua permissão,

Estas sete palavras de oração,

De fé, respeito e luz:

- “Confiamos em Deus na bênção de Jesus”.

 

 


Tesouro da Vida

Maria Dolores

 

Ao homem que pedia ao Céu socorro

Que o livrasse do tédio e da tristeza

O Senhor permitiu que ele escutasse

Certas informações da Natureza.

 

Disse-lhe um tronco enorme, rente à estrada:

- Queres seguro amparo, meu amigo?

Pensa no Tempo... Aproveitando o Tempo,

Ergui-me aos poucos por ditoso abrigo.

 

Não longe, uma roseira esclareceu:

- Não te dês a caminhos tentadores,

Trabalhando sem pausa, dia-a-dia,

Posso abrir para a Terra o meu cofre de flores.

 

Consultada, uma fonte respondeu

- O Tempo vem de Deus, de segundo a segundo,

Devo seguir lavando pedra e lama,

A fim de resguardar o conforto do mundo.

 

A abelha comentou alegremente

Sem alterar as excursões sonoras:

- Não existem angústia ou desalento

Para quem descobriu a riqueza das horas.

 

O homem renovado, então fitando os Céus,

Gritou, ante os humildes cireneus:

- O trabalho no Tempo é o tesouro da vida,

Agora compreendi... Obrigado, meu Deus!...

 

 


Uma Luz

Maria Dolores

 

Por vezes, tanto empeço na estrada,

Que indagas, coração, de alma desencantada,

Por que meios humanos prosseguir...

Entretanto, ergue a fronte, ao vasto firmamento,

Da nuvem mais pesada ou do céu mais cinzento

Uma luz há de vir...

 

Deus a ninguém esquece... Ante a sombra noturna,

Sem bússola na selva imóvel e soturna,

O viajor se detém, sem coragem de agir;

Pára, pensando em Deus... A névoa se condensa...

Mas a oração lhe diz, além da sombra imensa:

Uma luz há de vir...

 

Abate-se na mina a sinistra barragem,

Pedras, detritos e lama impedem a passagem,

Vozes clamam, no fundo, a gemer e a pedir;

Eis que a prece se eleva e, ao socorro da Altura,

Gritam vozes de irmãos, promovendo a abertura:

Uma luz há de vir...

 

É noite. Sobre o mar, há bulcões em batalha,

Relâmpagos relembram fogo de metralha

No trovão a rugir;

O barco, aos vagalhões, treme, estremece, estala

Pequena multidão, ora, espera e se cala...

Uma luz há de vir...

 

Desse modo, igualmente, alma fraterna,

Quando a prova por sombra te governa,

Qual noite que te oculta as visões do porvir,

Quando tudo pareça escuridão que avança,

Trabalha, serve, crê e ouve a voz da esperança:

Uma luz há de vir...

 

 


Vacina

Maria Dolores

 

Não esperes por fortuna

Para ajudar a quem chora,

Estende o apoio da hora,

Que possas movimentar;

Para o irmão que necessita

Migalha do que te reste

É bênção que se reveste

De regozijo invulgar.

 

Talvez não saibas ainda

Que a criança desvalida

Sem proteção para a vida

Não conhece estrada sã;

Da cabeça pequenina

Cuja dor ninguém pressente

Pode nascer facilmente

O malfeitor de amanhã.

 

Muitos amigos alegam,

Seguindo estranha cartilha

Que amparo aos outros humilha

Sem justo apoio a ninguém;

Mas ignoram que olvido

Às dores da vida alheia

É mal que surge e se alteia

Ferindo a força do bem.

 

Apóia, ajuda, perdoa...

Na Providência Divina,

A caridade é vacina

Contra revolta e rancor;

Uma prece, uma esperança,

Um pão pobre e pequenino

São sempre tijolo e ensino

Erguendo o Reino do Amor.